Por nicolas.satriano
Rio - O presidente da Cedae, Jorge Briard, admitiu pela primeira vez a possibilidade de racionamento de água no estado do Rio para o final deste ano. Em entrevista ao DIA, Briard afirmou que, se não chover o suficiente e o reservatório Paraibuna, na bacia do Rio Paraíba do Sul, não se recuperar, a população terá problemas no abastecimento. A represa, que entrou no volume morto na quarta-feira, é a principal das quatro do sistema que abastece os fluminenses.

"Pode existir a possibilidade, não acontecendo nenhuma melhora, de partirmos para medidas de controle maior por não ter disponibilidade de água, no final deste ano. A água é um bem finito. Por isso, a população deve tomar medidas no seu dia-a-dia para criar o hábito de economia. É um esforço conjunto que envolve todos nós”, disse.

Estação de Tratamento do Guandu%2C que abastece a Região Metropolitana do Rio de Janeiro%2C recebe água do sistema do Rio Paraíba do SulFabio Gonçalves / Agência O Dia

Para isso, a Cedae já partiu para medidas de prevenção, como por exemplo, o aumento da reutilização da água da estação de esgoto tratada para atividades “menos nobres”, como lavagens de ruas ou para obras. “As indústrias têm que rapidamente se adequar a esse método. A Comlurb já usa água não apropriada para o consumo humano para lavar calçadas e estátuas”, explica Briard.

O programa Porto Maravilha também é feito com reúso. “É só mandar uma carta para a Cedae pedindo o volume de água necessário, que a gente estuda e vende a um preço diferenciado”, explica.

Outra ação, segundo Briard, será ter mais rigor no combate ao desperdício. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, do Ministério das Cidades, o Rio perde 31,8% do volume que produz. Isso se deve, por exemplo, a falhas na detecção de vazamentos, problemas de operação do sistema, dificuldades no controle das ligações clandestinas e na aferição de hidrômetros. De acordo com o presidente, a meta da Cedae é chegar a 20% de perda.

“Estamos fazendo obras, recadastramentos e os equilíbrios da medição da quantidade de água que entra e sai para eliminar gastos. Caso nada disso adiante, podemos ter para o ano que vem medidas mais severas”, afirma.

Presidente da Cedae admite possibilidade de racionamentoJoão Laet / Agência O Dia

O secretário de Estado do Ambiente, André Corrêa, não descartou a possibilidade de racionamento, caso o cenário não melhore. “A estimativa é que a gente tem, no mínimo, no volume morto, seis meses para não mudar nada. Estamos vivendo a maior crise hídrica do sudeste”, diz ele. O secretário alertaque esse ano será duro.

“Não é a hora de ficar lavando calçada e carro com mangueira, de ficar regando jardim. Não é para causar terrorismo, mas também não é para a população ficar tranquila, continuar com o seu consumo.”

Corrêa defendeu cobrança extra para consumidores que usam água acima da média. A medida tem criado polêmica já que, segundo a Cedae, já há uma tarifa maior para estes clientes e apenas 25% consome mais que o razoável. “Esta é uma sugestão minha, que deve ser analisada pelo governo. Deve ser tomada uma medida que estimule consumo racional de água e, infelizmente, a parte mais sensível do ser humano é o bolso”, explica. Para ele, os consumidores que ficassem abaixo do limite poderiam ter um bônus.

Pezão descarta corte e pede que população economize

O governador Luiz Fernando Pezão descartou ontem a possibilidade iminente de racionamento de água e prometeu que não haverá aumento de tarifa. Ele anunciou que para promover o uso racional será lançada grande campanha de conscientização. “Não haverá aumento. O presidente da Cedae não vai tomar essa medida. Mas faço um apelo para a população economizar”, pediu.

O governador disse acreditar que, no pior cenário, ou seja, sem que ocorram as chuvas, a população não será desabastecida. “Os especialistas garantem que vai chover até maio. É, sem dúvida o maior período de seca desde os anos 70 e 80. Mas estamos poupando água de Ribeirão das Lajes, capaz de abastecer o Rio por três meses”, explicou.

Sobre o desabastecimento de empresas, Pezão foi taxativo: “Há um ano e meio ou dois, estamos avisando os empresários para realizar captações”.

Nesta sexta-feira, o secretário estadual do Ambiente, André Corrêa, afirmou que o abastecimento de algumas empresas que ficam localizadas no final do Rio Guandu pode ser comprometido caso não chova o suficiente. Também declarou que, na região Norte do estado e no Vale do Paraíba, já estão enfrentando problemas, como em Barra do Piraí, Bom Jesus do Itabapoana, São João da Barra e Vassouras.

Torneiras secas não são novidade para muitos cariocas

Dia após dia, a cena se repete na esquina entre a Ladeira dos Guararapes e a Rua Conselheiro Lampréia, no Cosme Velho. Carregando baldes e garrafas PET, moradores formam filas em frente à única fonte da região: uma bica enferrujada, de onde cai um filete de água. Há mais de um mês com as torneiras de casa secas, eles conhecem bem uma situação que pode se tornar realidade para mais cariocas com o agravamento da crise hídrica no estado.

Marlene Silva, no Cosme Velho, conta que, desde dezembro, não recebe água em casa e enche garrafas e baldes na única fonte da regiãoJoão Laet / Agência O Dia

Da bica coletiva até a porta de casa, a falta d’água é sentida também nas articulações. Até subir todos os lances de escada e chegar à sua cozinha, a copeira Marilene Silva, de 53 anos, não tem tempo nem para matar a sede com garrafas e baldes cheios nas mãos. “Não cai uma gota desde dezembro. Trabalho muito e quando volto para casa tenho que carregar balde. Sinto dores pelo corpo inteiro”, reclamou. “Compro tudo descartável para não precisar lavar. Quando chego muito tarde, o jeito é ficar sem água mesmo.”

Após Marilene encher a última garrafa, chegou a vez de Erly Araujo, 30, dar banho em sua filha. Ela aproveitava para passar creme nos cabelos da menina até o balde começar a transbordar. “Ai, que frio!”, gritou rindo a menina de 8 anos, enquanto a água caía pelo corpo. “Para criança tudo é festa, mas a gente sabe que não é o jeito ideal de dar banho nos pequenos. E tem que ser muito rápido porque vem gente atrás”, lamentou Erly.

A situação é parecida na Estrada do Sumaré, no Rio Comprido, Zona Central. Sem água em suas residências, os moradores têm que recorrer a canos que retiram água dos lençóis subterrâneos. A situação criou até um novo tipo de ofício remunerado na região: carregadores que cobram de R$ 20 a R$ 40 para fazer o trânsito dos baldes até a casa das pessoas, segundo moradores. “Tem gente até vendendo água por aqui”, comentou o aposentado Januário Souza, 63.

Com pouca vazão, as fontes de água são disputadas. “Estamos há duas semanas sem abastecimento. Nesses dias de calorão, a fila é quilométrica, e tem até briga. Nem sempre foi assim”, relatou o motoboy Uélton Diniz, 52.

Erly Araújo tem de descer até a bica coletiva, na Ladeira dos Guararapes, para dar banho na filha Ana CarolinaJoão Laet / Agência O Dia

“Preciso acordar mais cedo para buscar água para a minha filha, antes de ela ir para a escola. Só uso quando é muito necessário, às vezes, fico até com sede”, afirmou.

Em Cascadura, na Zona Norte, problemas com o abastecimento também são corriqueiros. Moradora da Rua Nerval de Gouvea, a corretora de imóveis Kátia Soares, 43, já perdeu a conta de quantas reclamações fez para a Cedae.
Publicidade
“Todo mês fico pelo menos um dia sem água, e eles dizem que não há problemas de abastecimento na rede. Nos mandam aguardar 72 horas, que se passam e nada se resolve. É muito descaso”, reclamou Kátia.
Moradores fazem ato em frente à Cedae
Publicidade
Mais de mil pessoas já confirmaram presença no Grande Ato em Razão da Falta de Água na Zona Oeste, protesto organizado pelas redes sociais. O grupo pretende se reunir às 17h deste domingo, no Posto 10, da Praia do Recreio, e caminhar até a frente da Cedae, na Avenida Gláucio Gil, 1931, no Recreio.
Morador da Rua Genaro de Carvalho, no Recreio, Eduardo Lima, de 25 anos, será um dos presentes. “Tem dias que amanhecemos sem uma gota de água. Por precaução, todo mundo tem que ter uma reserva. É um absurdo, pois existem crianças e idosos no prédio”.
Publicidade
Ex-presidente da Associação de Moradores da Urca e dona de uma escola no bairro, Celinéia Paradela relatou que falta água todo mês na Avenida São Sebastião. “É fim de linha de abastecimento, e por isso os moradores sempre têm problemas. Minha escola fica lá, mas sou privilegiada em ter uma cisterna com capacidade para uma semana.”
No Alto da Boa Vista e em Santa Teresa, a equipe de reportagem do DIA constatou que diversas bicas que trazem água das nascentes estão secas na região. “Esse verão está mais quente do que se esperava”, comentou um morador, no Alto.
Publicidade
Colaborou Lucas Gayoso
Publicidade
Publicidade