Rio - Diante dos assaltos e arrastões que todos os anos anunciam de forma violenta a chegada do verão, desta vez grupos convocados pelas redes sociais decidiram não esperar pelo entendimento entre a polícia e a Justiça. Sem acordo sobre a abordagem de menores em ônibus com destino às praias da Zona Sul, o bando tem incitado uma reação organizada pela Internet. E ameaça levar para as ruas, no próximo fim de semana, uma versão carioca do faroeste.
Depois de dois dias marcados por conflitos nas areias e no asfalto, moradores de Botafogo, Copacabana, Leblon e Ipanema planejam se armar com tacos de beisebol, socos ingleses, armas de choque e porretes. Esperam contar até com a ajuda de síndicos para evitar que as imagens de possíveis agressões contra suspeitos sejam enviadas à polícia. “Desliguem suas câmeras e nos deixem agir”, postou um policial civil afastado, incentivando os confrontos.
Nesta segunda-feira, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame anunciou mudanças no patrulhamento. Ele criticou a decisão da Justiça ao proibir as blitzes da PM nos coletivos e garantiu que a polícia vai agir preventivamente em horários e lugares determinados para impedir ‘justiçamentos’. “Nós vamos agir porque eu temo que haja linchamento se continuar desse jeito e em vez de termos um problema serão dois”, avisou. A corporação ainda não deu detalhes de como e quantos homens serão empregados para garantir a tranquilidade dos banhistas.
Beltrame disse que o Serviço de Inteligência já detectou grupos que pretendem fazer justiça com as próprias mãos. “Não vamos permitir. A minha preocupação é onde isso pode chegar. As pessoas vão começar a ir para a praia armadas. É com isso que temos que nos preocupar”, disse. A Polícia Civil vai tentar chegar aos assaltantes através das imagens divulgadas pelos jornais e nas redes sociais. O delegado Alessandro Thiers, da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI), abriu inquérito para investigar os grupos que organizam a ação de enfrentamento pela
Segundo o chefe de operações do Estado-Maior da PM, coronel Cláudio Lima Freire, o policiamento vai aumentar de acordo com a demanda. O oficial revelou que militares têm sido chamados para trabalhar nas folgas, que são repostas no meio da semana. No final de semana passado, segundo Lima Freire, houve o Rock in Rio, corrida de ciclistas no Flamengo, passeata em Copacabana e jogo no Maracanã. No domingo, 40 PMs reforçaram o patrulhamento na orla. Na 14ª DP (Leblon), foram presos 11 adultos e apreendidos 23 adolescentes.
Segundo ele, num período tranquilo de operação praia, na primavera, são empregados 200 policiais, mas no auge do verão o número sobe para a 700. Assim como o secretário, Freire cobrou participação da Prefeitura do Rio.
“Será que não podemos tratar a operação praia como um Réveillon ou Carnaval para que outros órgãos estejam presentes? A PM não é a única responsável pelo direito de ir e vir e do lazer público”, criticou o oficial. Beltrame reforçou a cobrança: “Vou pedir ao prefeito que me indique nomes. Eles são sempre convidados, mas nunca vão”, disse. O secretário negou que a ação policial seja racista. Ele disse que é uma questão de vulnerabilidade. “ O menor vem de longe, só de sunga, sem dinheiro, para comer, para beber. É uma situação de vulnerabilidade. A gente precisa que o próprio Estado, além da polícia, esteja presente”, alegou.
As câmeras de segurança dos prédios e estabelecimentos comerciais têm sido uma grande arma para a polícia no combate ao crime ajudando a identificar bandidos. No entanto, o policial civil Mauricio Bellini em um post no Facebook pede aos moradores da Zona Sul que falem com os síndicos de seus edifícios para que não forneçam as imagens no caso de um criminoso ser morto.
“Apaguem as imagens imediatamente... Digam que está com defeito”, escreveu ele que na postagem diz ainda que poderia ter matado os criminosos que roubaram na frente dele, mas que não o fez por causa das câmeras. Segundo a Polícia Civil, o agente está afastado do serviço desde 2011.
O presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB-RJ, Breno Melaragno, afirmou que “a secretaria (de Segurança) se confundiu em relação à interpretação da decisão judicial. “A determinação da Justiça é óbvia, ou seja, proíbe a polícia de deter quem não estiver em flagrante delito ”, disse.
Ex-capitão do Bope, o antropólogo e consultor em Segurança Pública, Paulo Storani, defende Beltrame com relação à vulnerabilidade de menores em espaços públicos.
“As ações preventivas da PM deveriam ser acompanhadas por conselheiros tutelares e representantes da Vara da Infância e Juventude. A Defensoria Pública ignora isso”, opinou. Já o presidente do Movimento Rio pela Paz, Rommel Cardozo, questionou as autoridades. “Essas crianças (da Zona Norte, abordadas em ônibus)vão ser adultos. Estamos plantando o quê para os próximos 20 anos? O que nós estamos vivendo hoje é colheita de políticas mal feitas, de famílias falidas”, constatou Cardozo.
Reportagem de Caio Barbosa, Francisco Edson Alves, Maria Inez Magalhães, Maria Luisa Barros e a estagiária Flora Castro.