Por felipe.martins

Rio - Durante o sepultamento de Herinaldo, amigos se despediram com fogos de artifício. “Até quando eles vão matar as crianças da nossa comunidade”, dizia num cartaz. Outros vestiam camisas coma inscrição: ‘Bagdá em Luto’. Na saída do cemitério, a mãe da criança, a doméstica Damiana Dias Santana, evitou falar sobre a morte do filho. “Vai adiantar falar alguma coisa agora?” indagou.Enquanto alguns adolescentes carregavam estilingues na porta do cemitério. Alguns morterios apreendidos tinham inscrições como ‘Bonde do Playboy’ e ‘ADA do Caju’, uma referência ao tráfico local. Vítima de uma pedrada de raspão na testa, o sargento André Fernandes, 4º BPM (São Cristóvão), se indignou e criticou a ação do grupo. “Teve de tudo aqui. Jogaram pedras e bolas de gude nos policiais. Felizmente o ferimento foi leve. É assim que eles protestam?”, reclamou o PM, que não precisou de atendimento e passa bem.Dentro do cemitério, pessoas que participavam de outros velórios se assustaram e se esconderam atrás de túmulos. Um segurança do cemitério teve impediu que um adolescente usasse um pedaço de pau para atingir um policial.

No enterro%2C moradores revoltados com a morte do menor entraram em confronto com os policiais militaresDaniel Castelo Branco / Agência O Dia

O enterro de Herinaldo Winícius de Santana, de 11 anos, morto com um tiro no peito na Favela Parque Alegria, no Complexo do Caju, na tarde de quarta-feira, terminou em confronto entre moradores e policiais militares. A entrada do Cemitério do Caju se transformou numa praça de guerra, com pedras lançadas por manifestantes e bombas de gás e tiros com balas de borracha disparados por PMs. A confusão chegou a fechar a Avenida Brasil e a Linha Vermelha pelo segundo dia seguido.

O clima tenso começou antes mesmo da chegada do corpo do garoto ao cemitério. Mais de 100 pessoas vestidas com camisas brancas e carregando cartazes com pedidos de justiça se aglomeraram na entrada, enquanto policiais e viaturas faziam a segurança do local. O grupo prometia fechar uma via expressa logo após o enterro. O menino morreu quando ia comprar bolinha de pingue-pongue. Ele foi socorrido por moradores, mas não resistiu. Cinco policiais da UPP Caju, suspeitos de atirar na criança, foram afastados do serviço de rua e suas armas foram recolhidas para perícia. Eles prestaram depoimento nesta quinta-feira e a Delegacia de Homicídios (DH) trabalha com a hipótese de que o tiro tenha sido disparado durante confronto dos policiais com criminosos.

Revoltados, alguns manifestantes jogaram pedras, pedaços de pau, bolinhas de gude e soltaram fogos de artifícios na direção de PMs. Um carro da polícia teve os vidros quebrados. Os policiais lançaram bombas de efeito moral e deram tiros com balas de borracha para dispersar a multidão, que correu para dentro do cemitério.

PMs fecharam a Linha Vermelha por 20 minutos depois que manifestantes atearam fogo na barreira acústicaDaniel Castelo Branco / Agência O Dia

Após o enterro, pessoas com o rosto coberto com camisas jogaram garrafas e pedras em motoristas que passavam na região. Já na Linha Vermelha, policiais do Batalhão do Choque fecharam parcialmente a pista sentido Baixada Fluminense, depois que um grupo incendiou a barreira acústica da via. Ninguém ficou ferido. Alguns motoristas voltaram pela contramão. O Batalhão de Policiamento de Vias Expressas (BPVE) e outros três quartéis reforçaram o patrulhamento na região.

Pouca qualidade  de vida

Em todo o bairro do Caju, ondeo fica o conjunto de favelas que o menino Herinaldo morava, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,753, o que coloca a região no 111º lugar em qualidade de vida entre os 160 bairros da cidade.

No Parque Alegria, cerca de 40% dos moradores são pobres e 11,6% indigentes. A favela tem a quinta maior população das nove do Complexo do Caju. Cerca de 80% dos moradores ganham até dois salários mínimos e 42% destes só conseguem receber até um salário por mês. Entre os 16 mil moradores, 24,4% das mulheres engravidaram pela primeira vez entre os 15 e 17 anos de idade.

Os números são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e de um estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). E revelam que ainda há casas sem luz na região. Água e esgoto chegam em todas as residências, mas 23% dos moradores não filtram a água. Mais de um terço afirmou à Firjan que a violência e a delinquência são os mais graves problemas do local.

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