Por felipe.martins, felipe.martins
Rio - Um bebê de 1 ano e 8 meses é atropelado por trem na Zona Oeste e morre; mais uma vida ceifada pela negligência. Muitos são os casos semelhantes que chegam aos tribunais buscando a tardia indenização, que custa muito mais do que se o agente tivesse sido diligente. A legislação não é nova e desde as primeiras ferrovias tem firmado a responsabilidade da empresa de transporte, que tem o dever de cercar e fiscalizar os trilhos.
A jurisprudência tem resistido aos lobbies após a série de privatizações e concessões desse serviço e mantido a responsabilidade prevista em lei. No entanto, já existe oscilação atribuindo culpas concorrentes ou exclusivas das vítimas, muito embora não haja previsão legal para tais interpretações. Não se pode tergiversar com o bem maior a ser protegido, que é a vida, e não há justificativa para cancelas e outras impropriedades utilizadas pelos caminhos de ferro com imprudência capaz de ceifar tantas vidas, deixando órfãos e viúvas à mercê das interpretações judiciais e dos inúmeros recursos que retardam o pagamento das indenizações devidas.
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Recentemente, num debate entre ilustres magistrados, registrei os seguintes comentários: “Não se pode esquecer dos casos (que não são poucos) de gente morta pelos mais diversos motivos (infartos, crime, etc...) que é jogada na linha do trem”. Tal afirmação é uma afronta aos peritos oficiais, que atestam as causas das mortes, como se todos fossem venais ou incompetentes. E outra ainda mais característica do preconceito: “Trem não sai dos trilhos; faz barulho e trepidação quando vem chegando; anda em velocidade reduzida em áreas urbanas. Assim a vítima só pode ser atropelada se estiver distraída, embriagada ou drogada, agir com extrema imprudência ou pretender suicídio.” E para coroar essa ladainha de preconceitos: “Acrescento ainda que, em 100% dos casos, os autores são beneficiários de justiça gratuita, mas somente para o pagamento das custas”. O que é óbvio porque os caminhos de ferro não atravessam a Zona Sul, e os pobres estão sujeitos à separação dos trilhos, onde não há a proteção exigida pela lei.
Coincidentemente essas mortes causadas pela negligência das concessionárias ocorrem nas mesmas áreas onde são maiores as mortes provocadas pelos chamados “autos de resistência”.
Siro Darlan é desembargador do TJ e membro da Associação Juízes para a Democracia
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