Por thiago.antunes

Rio - Dizem por aí que o jornalismo acabou. Bobagem. Prova disso está em ‘Cocaína — A rota caipira’, do Allan de Abreu. Livrão. São 800 páginas contando tudo sobre o principal corredor de produção e distribuição da droga no país. Pela prosa ágil e no tom certo de suspense, é melhor que muitos, muitos romances policiais disponíveis na praça. E o pior: é tudo verdade.

É verdade, por exemplo, que cocaína é um negócio de alto risco e, por isso mesmo, muito compensador para os seus ‘acionistas’. Nada é tão lucrativo. Um quilo da droga pura sai a US$ 1 mil da Bolívia e, quando a chega a São Paulo, já está valendo US$ 8 mil.

No mercado europeu, custa US$ 50 mil, por baixo. Para que tudo funcione, o traficante precisa ter bons contatos, planejamento e sorte. Tudo isso implica muito dinheiro vivo.

A reportagem levanta muitos dados intrigantes. Diz que, segundo a ONU, 1,75% da população adulta do Brasil é viciada em cocaína, enquanto a média mundial fica em apenas 0,4%. Em todo o mundo, há 17 milhões de consumidores. Não é à toa que o Rio vive uma guerra permanente pelo controle da venda de drogas. Não falta mercado, não faltam lucros.

Mas o Allan trata menos de estatísticas e muito mais de ação. Conta histórias e histórias sobre o tráfico no Brasil desde o início da ‘rota caipira’, que sai de Bolívia, Colômbia, Peru ou Paraguai, corta os estados do Centro-Oeste e chega a São Paulo, de onde parte para ganhar o mundo.

Seus primórdios estão nos anos 1970, quando contrabandistas e traficantes de maconha descobriram várias maneiras de chegar aos grandes mercados, contando com farta malha rodoviária e inúmeros campos de pouso em fazendas aparentemente insuspeitas. É assim até hoje.

‘Cocaína’ contém a biografia de alguns dos personagens mais marcantes desse negócio sujo. São casos impressionantes como o do Tio Patinhas ou o da modelo Lucineia Capra, que fizeram fortunas. E tem também as artimanhas, como a do ‘submarino’, que consiste em embalar as drogas em caixas impermeáveis e acoplá-las, por fora, aos fundos dos cargueiros com a ajuda de ímãs gigantes.

Enfim, eis um livrão cheio de lances emocionantes, com extensa apuração, transcrição de inúmeras conversas entre bandidos, operações, mortes, sucessos, derrotas, o diabo a quatro.

Registre-se, ainda, que ‘Cocaína’ não deixa de ser também trabalho de profundo respeito aos policiais que estão no combate diário a um mercado sujo, que pode envolver desde pessoas bem humildes até membros honoráveis do Legislativo ou do Judiciário. Ou será exagero?

Nelson Vasconcelos é jornalista

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