Rio - Hoje, em meio à maior crise brasileira de todos os tempos, é lugar comum escutarmos que temos uma classe política inteiramente corrupta. Mas, se isso é verdade, vale a pergunta: teríamos chegado a esse ponto se nossa sociedade fosse integralmente honesta?
No Brasil, as grandes transformações sempre foram efetuadas para que o povo nunca tivesse que fazê-las. As crises político-institucionais, chamadas de “Revolução” tiveram, curiosamente, a edição de novas Constituições, que foram “presentes” do Estado ao povo, sobretudo, para acalmá-lo.
Isso só foi possível graças à debilidade de uma sociedade que cresceu da escravidão e da dominação imperial aristocrática, onde a elite educada sempre foi mínima e, ao povo, sempre coube o dever de tolerar.
Essa relação de Estado Dominador e Povo Dominado, no Brasil, merece uma análise no mínimo ousada. Recorro a Sigmund Freud, que fala de um Pai Mítico, o Pai da Horda. Ele nos fala que nas civilizações primitivas, que viviam em hordas (tribos), o macho (Pai) mais velho dominava os mais novos (Filhos) e os afastava das mulheres, evitando-se assim a promiscuidade sexual e o incesto.
Este Pai ficava com todas as mulheres e expulsava os filhos, na idade adulta, para não se tornarem verdadeiras ameaças. Revoltados, esses filhos expulsos se reuniam e voltavam à tribo para matar o Pai. Ao matá-lo, perdiam sua referência como Pai e acabavam com a tribo, ficando assim com as mulheres e o remorso.
Daí esses filhos começaram a brigar, pois aquela referência moral já não mais existia e o desejo individual imperava. Para coexistirem, seria necessária uma nova ordem moral.
De certa forma, a sociedade brasileira matou o seu Pai da Horda e o povo, sem referência, se sente no direito de transgredir e tolerar a transgressão, pois se vê movido pela necessidade da satisfação dos seus desejos individuais, sem limites.
Com a operação Lava Jato, temos hoje uma das maiores oportunidades da história de criarmos uma nova geração de Filhos. A política passou a ser pauta principal onde discutimos, de forma inédita, os escândalos dos malfeitos que há décadas frequentam a sociedade, que só agora os percebe.
É hora de amadurecer e crescer, nos livrando da dependência irrestrita do Pai, mas com a consciência da responsabilidade de Filhos. Se cada um contagiar o seu irmão para estabelecermos novas leis morais, não seremos mais corrompidos ou corrompedores.
Paulo Renato Marques é cientista político e psicanalista