Rio - Os sistemas educacionais sempre foram influenciados pelo ambiente cultural. A Reforma Protestante, na Alemanha do Século XVI, favoreceu as diferentes corporações de ofício, que tiveram liberdade para conceber currículos específicos para a iniciação profissional de aprendizes em cada especialidade. Já na Península Ibérica, o contexto da Inquisição fez com que a Igreja e a Coroa se articulassem para impedir a livre circulação do conhecimento, inibindo o aprendizado. Durante o reinado de D. José I, a consolidação política do poder central foi promovida pelo Marquês de Pombal, que recorria às ordenações e decretos.
Seguindo essa tradição, em 1759 foram impressas as 'Instruções para os professores de gramática latina, grega, hebraica, e de retórica, ordenadas, e mandadas publicar por El Rey, nosso senhor, para o uso das escolas novamente fundadas nestes reinos e seus domínios'.
Ao longo de suas duas dezenas de páginas, o documento prescrevia de forma estrita o currículo e o ensino dessas disciplinas. A sua leitura é bem curiosa, especialmente neste momento em que, decorridos quase 260 anos, no Brasil, se discute a nova BNCC - Base Nacional Comum Curricular.
É a essas origens que remonta a tradição de centralização do ensino brasileiro, tendência que sobreviveu à Independência e à Proclamação da República, atravessando todo o século passado até os nossos dias.
Sob a ditadura militar, um dos sintomas dessa vertente controladora foi a obrigatoriedade de disciplinas como a 'OSPB' e a 'Educação Moral e Cívica'. Restabelecida a democracia, promulgou-se, em 1996, uma nova Lei de Diretrizes e Bases, que exorta as escolas a desenvolverem o seu próprio Projeto Pedagógico, em consonância com a sua identidade e vocação institucional.
Contudo, a mesma lei instituía o sistema de avaliações em larga escala como instrumento para monitorar a qualidade do ensino. Embora essa seja uma tendência mundial, aqui o modelo foi subvertido nos anos subsequentes: passaram-se a conduzir as avaliações como o novo braço através do qual o governo exerceria o controle sobre o que se ensina e o que se aprende nas escolas de todo o país. O auge da centralização deu-se em 2010, com a transformação do Novo Enem em vestibular unificado nacional. Esse é o instrumento através do qual o Estado hoje tem exercido sua tutela sobre o que se transmite em cada escola. Partindo de uma suposta hipossuficiência do cidadão, o governo prescreve como deve ser o currículo e a escolaridade a ser cursada.
É nesse contexto que o país discutirá a nova BNCC, recentemente encaminhada pelo Ministério da Educação ao Conselho Nacional de Educação (CNE), que a regulamentará. O amadurecimento de sociedades democráticas é favorecido pela liberdade de pensamento e de expressão que, por sua vez, é fomentada pela liberdade de ensino.
Assim, espera-se que, nas discussões que se seguirão a partir de agora no CNE, haja o reconhecimento da flexibilidade de currículos como importante atributo dos sistemas de ensino, como convém a uma sociedade plural e democrática.
No entanto, para além das prescrições legais, a reforma do Enem será indispensável para que as pretendidas diversidade e flexibilidade curricular se efetivem. Devemos estar atentos a esse debate. Afinal, já vão longe os tempos do Marquês de Pombal.
Pedro Flexa Ribeiro é educador e diretor do Colégio Andrews