Rio - O Acordo de Paris em nada afeta nossa soberania nacional sobre a Amazônia. Pelo contrário, ele reafirma a soberania dos países signatários. Cada qual apresentou sua Contribuição Nacionalmente Determinada (sigla em inglês NDC), voluntária, para tentar conter, em limites não catastróficos, o aquecimento do planeta. O conjunto dessas NDC ainda é muito insuficiente. Todos terão que fazer mais. A nossa NDC -redução de 38% de suas emissões, até 2025 e 43%, até 2030-- não prevê "desmatamento zero" mas "desmatamento ilegal zero" que são coisas diferentes.
Uma meta futura seriam emissões líquidas zero: quando o desmatamento legal é compensado pelo sequestro de carbono de reflorestamentos, tanto de mata nativa quanto econômicos em larga escala. O Brasil possui enorme potencial para tanto e pode atrair grandes investimentos e financiamentos geradores de atividade econômica e empregos. O desmatamento legal - salvo o de grandes projetos de infraestrutura, é licenciado pelos órgãos estaduais - necessita de estímulos econômicos para ser reduzido como o pagamento por serviços ambientais. O ódio intenso aos desfalcados IBAMA e ICMbio não vem dos produtores rurais que atuam na legalidade nem do agronegócio exportador. É da lavra dos grileiros ou garimpeiros, criminosos, que desmatam ilegalmente e envenenam rios com mercúrio em geral em florestas públicas. No sul do Amazonas, por exemplo, são vinculados ao narcotráfico.
Com mais de 60 milhões de hectares de pastagens degradadas, a agricultura e a pecuária brasileiras não necessitam avançar sobre a floresta. Desmatamento ilegal é dos que faturam com grilagem de terras públicas, venda ilegal da madeira e pasto e exploram uma pecuária marginal de baixíssima produtividade. Economicamente são irrelevantes. Em termos políticos têm peso porque seus operadores são cabos eleitorais. Cabalam votos para parlamentares que acabam integrando, com influência desproporcional, a chamada bancada ruralista. Reprimi-los será mais da seara do ministro Sérgio Moro do que da área ambiental. São atividades criminosas.
Atentar contra a integridade do MMA e dos combalidos IBAMA e o ICMbio, só pode estimular o repique do desmatamento ilegal com risco de voltarmos ao seu ápice, de 2004, quando chegou 27 mil quilômetros quadrados. Caiu a menos de 5 mil, em 2012. No ano passado, já estava em 6,9 mil, em ligeira queda em relação aos dois anos anteriores. Tende a aumentar esse ano e subir em flecha, no próximo, com a continuidade da evasão de efetivos do Ibama e, se não for revertida, a sinalização do "liberou geral".
A curto prazo, a agricultura brasileira ver-se-á internacionalmente prejudicada em sua competitividade por desnecessários desgastes de imagem. Além disso, sofrerá os graves efeitos do aquecimento global com mais estiagens, falta d'água, mudanças no solo, variações loucas de temperatura e inundações, dependendo da região. Por outro lado, o conjunto de ações de agricultura de baixo carbono reduzem emissões e aumentam a produtividade.
Já o discurso "de esquerda" contra o agronegócio simplesmente por ser "capitalista" confunde as coisas e ajuda esse tipo de liderança a se promover como suposta representação da agricultura. Não faz sentido ideologizar o tema: à esquerda, o mito do desmatamento como resultado inevitável da atividade empresarial, esquecendo o grau de devastação ocasionado pelo chamado "socialismo real". À direita, o do ambientalismo como conspiração de potências estrangeiras, de olho na Amazônia.
Na verdade, os dois pioneiros da ecologia no Brasil foram o marechal Cândido Rondon e o almirante Ibsen de Gusmão Câmara. É preciso desfazer mitos para evitar tiros no pé.
Alfredo Sirkis é escritor, jornalista, coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima