João Batista Damasceno, colunista do DIA - Divulgação
João Batista Damasceno, colunista do DIADivulgação
Por João Batista Damasceno*

Um depoimento da futura ministra Damares Alves, da pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos, há duas semanas circula nas redes sociais e tem propiciado todo tipo de piada. A pastora conta que aos 10 anos iria tentar o suicídio e que subiu num "pé de goiaba" onde iria beber veneno. Mas Jesus subiu no pé de goiaba e lhe deu um abraço que seu pai, sua mãe ou a igreja que frequentava não lhe haviam dado.

A pilhéria está por conta da forma enfática com que a ministra relata sua súplica para que Jesus não subisse no "pé de goiaba" para ajudá-la, pois, segundo ela, Jesus não sabe subir em "pé de goiaba" e poderia cair. A pregação propositadamente emotiva, visando a alterar o estado emocional do público, é patética. A técnica é própria dos manipuladores, visando a provocar comoção em auditório passivo aos reclamos do narrador.

Mas, o conteúdo da fala da ministra Damares deve ser levado a sério. Ela narra que dos 6 aos 8 anos foi violentada sexualmente por pastor protestante, amigo da sua família, e que seus familiares não lhe deram ouvido. E, por isso, aos 10 anos queria se suicidar. Ela fala que 78% dos casos de abusos sexuais contra crianças são praticados por familiares ou por pessoas de suas relações. Os dados são reais, preocupantes e não podem ser negligenciados.

A menina abusada demonstra as sequelas não curadas e se ampara no discurso religioso que lhe dificulta a busca de ajuda profissional. A narrativa da ministra, em forma de pregação, pode lhe fazer sentir melhor. A cada aplauso há de encontrar encorajamento para repetir o discurso. Mas a proposta final da ministra é tétrica. Ela propõe que as vítimas minorem seus sofrimentos por meio da religião.

Crianças precisam ser educadas desde a primeira infância a não permitir que adultos lhes toquem em partes íntimas. E, se isso acontecer, precisam ter a liberdade para relatar aos seus pais e professores. É preciso educar desde cedo as crianças para que saibam que adultos não têm o direito de tocar em crianças e que elas não são culpadas pelos abusos. Ao contrário, que a responsabilidade é exclusiva dos adultos.

Os dados apresentados pela ministra são reais. A maioria dos abusos sexuais contra crianças ocorre dentro de casa e são praticados por familiares ou pessoas de suas relações. Religião não é solução. Os casos de pedofilia, que a Igreja esconde e insiste em não colaborar com as autoridades na solução, são emblemáticos. As acusações contra o líder católico carismático João de Deus nos recomendam reflexão sobre os abusos cometidos nos lares e nos templos religiosos contra pessoas vulneráveis.

Em boa hora a Câmara dos Deputados arquivou o projeto da 'Escola Sem Partido'. Educação há de ser para a cidadania e, desde a mais tenra idade, nela há de se incluir a educação para evitar tais abusos. Escola integral é escola que prepara para a vida, tal como propunha Anísio Teixeira.

(*Doutor em Ciência Política e juiz de Direito) 

Você pode gostar
Comentários