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Por Leo Lupi Jornalista

Rio - Não é de hoje que a tradicional festa das escolas de samba no Rio tem sido acompanhada de notícias não muito positivas. Corte de verbas da Prefeitura de Crivella, resultados polêmicos, prisões de presidentes por ligação com o tráfico.

Embora seja natural que haja algum desgaste para um evento com quase um século de existência, preocupa, acima de tudo, o esvaziamento literal e simbólico de uma manifestação cultural tão representativa do Rio de Janeiro e do Brasil. Alguns podem perguntar: Mas, por que a preocupação com o Carnaval? Quando existem tantos outros problemas urgentes no Brasil? Saúde, educação, segurança...

Quem faz essa pergunta não está errado. De fato, existem escalas de prioridade no investimento público  -  e não há dúvidas de que a Educação e a Saúde do município do Rio, em estado tão calamitoso, devem ser o foco imediato de recursos e atenção -, mas isso não significa, porém, que o Estado deva se omitir do resto.

 Principalmente, se partirmos do princípio que a Cultura e o Turismo estão intrinsecamente ligados à Educação e à geração de emprego e renda.

Apoiar o Carnaval vai muito além da destinação de recursos  , embora passe por esse ponto também. É entender a função social das escolas de samba, sua relação com as comunidades em que estão localizadas. É ter consciência da cadeia produtiva dessa festa , que gera empregos para escultores, aderecistas, eletricistas, serralheiros, marceneiros, músicos, dançarinos, coreógrafos, jornalistas etc.

Estamos falando de em evento que atrai milhares de turistas para a cidade do Rio e aumenta a potência do setor hoteleiro. E, gira a economia de serviços do município. Só de 2010 pra cá, informam cálculos da própria Prefeitura, a festa movimentou cerca de 15,2 bilhões na economia do Rio.

O fato é que o apoio ao Carnaval — e, aqui, não falo apenas do aspecto financeiro — deve ser uma responsabilidade e uma iniciativa da Prefeitura, que deve ter a compreensão do retorno que o evento traz para a cidade. A destinação de recursos públicos é algo que certamente precisa de um debate aprofundado  — principalmente sobre o montante e a transparência.

Também é necessário pensar no próprio modelo de gestão dos desfiles e discutir melhores formas de captar recursos privados. Praticamente tudo deve ser repensado, mas cabe também ao poder público essa reformulação.

No Rio, as maiores vítimas da omissão da Prefeitura são as agremiações dos grupos de acesso e as escolas mirins. Não é exagero dizer que sem o trabalho delas, de formar novos sambistas, não haverá Carnaval no futuro. É comprometer de forma definitiva a existência da cultura do samba a longo prazo. E mais do que isso: muitas vezes, o samba muda a vida dessas crianças, que poderiam ter outro destino se não fosse as possibilidades do Carnaval. Dali saem dançarinos, cantores, músicos, artistas…

Não se pode dar corda a um pensamento despolitizado e que serve a interesses obscuros de criminalizar a cultura ou ignorar seu impacto social. É preciso entender a História do Brasil . O samba é, historicamente , marginalizado e perseguido, dada a sua origem negra e africana. A 'Lei de Vadiagem' visava nada mais, nada menos do que reprimir sambistas, cantores, artistas — quase todos negros. A história do samba é de luta. Sempre foi, e em pleno século XXI tem que continuar sendo.

Urgem mudanças na gestão do carnaval —  uma verdadeira e radical reformulação. Mas o samba é uma instituição muito maior e mais poderosa do que qualquer Liga, qualquer dirigente criminoso e qualquer prefeito. E, por isso, precisa ser defendido por todos aqueles que devem a ele sua alegria de viver, seu sustento, sua formação artística e intelectual, seu lugar no mundo.

Leo Lupi é jornalista

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