Gabriel Chalita, colunista do DIA - Divulgação
Gabriel Chalita, colunista do DIADivulgação
Por O Dia
Rio - Morreu um poeta. Um poeta que viveu derrubando os estreitamentos da vida. Um poeta amigo meu.

Eu o conheci dizendo temas que abriam espaços e que deixavam ver o que, sem ele, seria difícil. Em sua fala, cabiam todas as belezas do mundo.

O poeta ria o riso elegante. Ouvia os nossos dizeres como quem ouve uma canção bonita. Sentava em uma poltrona de saudades e ia destecendo as histórias que, nas gentes e nos livros, serviram para aquecê-lo.

Era altivo e elegante. Conhecedor da alma da mulher, fez poemas inspirados e inspiradores. Eu o conheci em uma tarde de um dia feliz. Foi me dizendo histórias. Foi me ouvindo sem pressa. E foi assim que nos demos as mãos. Eu e o príncipe dos poetas. Eu e o Paulo da São Paulo que ele tanto amou. Eu e o brasileiro cheio de certezas de um dia bom que pedia autorização para chegar. Eu e o autorizador de afetos. E demos as mãos para nunca mais soltar. Nem agora quando ele já não mais está.

Abro um livro com sua dedicatória e soletro letras que me dizem muito, que me dizem tudo. Era ele um entusiasta das qualidades humanas. Nada de observações menores, nada de lamúrias sobre o que falta. Paulo Bomfim era um homem de celebrações. Celebra a eternidade a sua chegada. É sempre assim, quando morre um poeta. Basta ter olhos de ver os luares. Não são iguais aos de todo dia. Tem um sopro que atinge quem não tem medo do amor. De qualquer amor. Basta abrir a janela, quando um sol se põe a fazer anúncios.

Anunciava ele que era preciso, a cada um, encontrar um tema para viver. Sem um tema, quem somos nós? Empurradores do tempo? Aguardadores do fim? Viver é transgredir. É dizer às convenções que só permaneçam se se explicarem. Obedecer aos que se acham mandadores do destino não cabe na alma de um poeta. Destino, escrevemos nós, com as tintas que tivermos, com a caligrafia que conseguirmos, com sangue e amor.

Queria eu que ele ficasse para celebrar mais alguns aniversários. Ele gostava de ir. E gostava de sair. O poeta era inquieto. Só se acalmava para receber amor. E para distribuir amor.

É assim que o vejo. É assim que o convido a permanecer em mim. Lendo os seus dizeres. Guardando os nossos sagrados encontros.
As cenas de trocas de olhares entre ele e Lygia, a escritora, me faziam compreender a palavra cumplicidade. Em quase cem anos.

Ah, tempo caprichoso. Tudo passou tão rápido. O quarto do poeta já não guarda mais o seu corpo. A velha cama teve que se despedir dos seus cansaços. A torneira, de onde a água pedia autorização para banhar o corpo do poeta, também está silenciosa.

Seus velhos amigos se debruçam na palavra ‘saudade’. E, do alto, ele nos sorri delicadezas explicando, do seu jeito, que foi preciso partir para viver, finalmente, a pura poesia, sem necessidades nem obrigações. A poesia da alma, da alma livre, que se corporifica nas memórias dos que continuam a tentar viver o amor,

Obrigado, poeta.  
Gabriel Chalita é professor e escritor