Por Idésio Coelho*
Os clubes de futebol do Brasil têm dívidas milionárias com o governo, com bancos e com atletas. Isso não é novidade para nenhum torcedor, e mesmo quem não acompanha o futebol brasileiro já ouviu falar disso. Agora, mais de 20 anos depois da edição da Lei Pelé (nº 9.615/1998), sem que nada tenha conseguido mudar essa realidade, o Congresso Nacional novamente se movimenta para tentar melhorar a gestão dos clubes, propondo transformar em empresas as atuais estruturas de associações civis sem fins lucrativos – muitas delas, centenárias – que movimentam milhões de reais.

A ideia do projeto de lei (PL) nº 5.082/2016, que tramita com o PL 2.758/2019 apensado, é que os clubes-empresas passem a ser Sociedades Anônimas do Futebol (SAF), com capital dividido em ações, negociadas em bolsas de valores, expandindo o leque de possíveis investidores. Regras de governança corporativa e de transparência das informações aos acionistas são obrigatórias nesse tipo de estrutura societária. A padronização irá facilitar a comparação entre clubes semelhantes.

É nesse ponto que a contabilidade assume uma de suas mais importantes tarefas, conferindo organização, critério, clareza e evidência à realidade dos ativos, passivos, receitas, despesas e fluxos de caixas das companhias de capital aberto. É fonte para tomada de decisão de gestão, compra ou de venda de atletas.

De olho nessa movimentação em torno da criação dos clubes-empresas, a contabilidade dos clubes de futebol está passando por atualização e mudança.

Hoje, as demonstrações contábeis dos clubes devem ser baseadas na Norma Brasileira de Contabilidade ITG 2003 – Entidade Desportiva, editada pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) em 2013 e atualizada em 2017. Uma nova revisão da norma já começou a ser feita, há poucos meses, por um grupo instituído pelo CFC e que reúne especialistas em contabilidade, executivos de clubes de futebol, auditores e representante da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Acabamos de editar uma Orientação Técnica Geral (OTG) sobre a norma, para servir de base para o balanço de 2019 dos clubes, considerando que há assuntos que precisam ser esclarecidos. Os pontos abordados incluem questões que envolvem a uniformização de procedimentos sobre ativos intangíveis, porque, aparentemente, há tratamentos distintos utilizados pelos clubes. Outro aspecto incluído na OTG diz respeito à contabilização dos contratos de transmissão de TV, uma vez que têm sido utilizados critérios diferentes pelos clubes. Ainda, o reconhecimento de receitas tem gerado tratamentos distintos e necessita ser uniformizado. A orientação é aplicável também às demais atividades desportivas, além do futebol.

No ano que vem, completaremos uma revisão mais profunda na norma ITG 2003, considerando a possível aprovação do PL que transforma os clubes em empresas. Com padronização mais precisa dos procedimentos e uniformização da forma de contabilização, de mensuração e de apresentação das informações que são produzidas pelos clubes, essas potenciais companhias abertas vão estar preparadas para o novo ambiente que está chegando.

Outro ponto que se pretende alcançar é a fiscalização do cumprimento da norma contábil. Hoje sabemos que há clubes que dão pouco valor à execução dessas exigências normativas. Instrumentos de fiscalização e controle dos relatórios contábeis emanados dessas normas e dos procedimentos regularmente instituídos pelo CFC estão em estudo e serão implementados.

Talvez um modelo de VAR para a checagem das contas dos clubes não seja má ideia.
 
Publicidade
*Idésio Coelho é vice-presidente Técnico do Conselho Federal de Contabilidade (CFC).