Salézio Dagostim - Divulgação
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Por Salézio Dagostim*
O resultado das votações que elegeram 1/3 dos conselheiros dos Conselhos de Contabilidade, encerradas em 10/12/2019, deixou os profissionais contábeis um tanto apreensivos, pois, sem renovar os membros que integram estas entidades, as mesmas pessoas seguirão gerindo a profissão da mesma forma como vêm gerindo ao longo das últimas décadas.

O resultado disso é ver a profissão contábil desacreditada socialmente, tal como visto, por exemplo, no programa humorístico Zorra da Rede Globo que foi ao ar no dia 7/12/2019, com a entrega do Prêmio Nem Fede e Nem Cheira a um contador. Isso ocorre porque o Conselho de Contabilidade não cumpre com a sua obrigação institucional de fiscalizar o exercício da profissão. Não apura as responsabilidades dos profissionais responsáveis pelas empresas envolvidas na Lava Jato; não homologa os programas de computadores que envolvem os registros contábeis, entre outras omissões.

Se a maioria dos profissionais anseia por mudanças, por medidas que resgatem a imagem dos contadores e a importância da contabilidade, então, por que as chapas da situação nos Conselhos de Contabilidade dos grandes centros urbanos sempre vencem as eleições, perpetuando-se no poder?

Há quem acredite que esta falta de renovação não seja fortuita, mas fruto de uma possível alteração de dados, já que o sistema eleitoral implantado pelo Conselho Federal de Contabilidade em todos os conselhos regionais (com o voto pela internet) é passível de manipulação e de modificação dos resultados (o que já foi comprovado por perícia técnica efetuada no sistema).

Além da possibilidade de manipulação do sistema, há, ainda, outros eventos que suscitam preocupação.

A lei diz que todos os profissionais habilitados têm o direito de votar e de serem votados. No dia das eleições, o colégio eleitoral era de 522.449 contadores e técnicos em contabilidade. Mas o Conselho Federal de Contabilidade resolveu, através de uma simples resolução administrativa, alterá-lo para 375.373 profissionais. Esta diferença de 147.076 profissionais foi em função da exclusão, à revelia da lei, dos profissionais em débito com o Conselho.

Além disso, como não é do interesse de quem está no poder, na chapa da situação, informar sobre as chapas concorrentes ao pleito e seus integrantes, o Conselho de Contabilidade não encaminhou aos profissionais estas informações, mas tão somente a data das eleições e a notícia de que o voto é obrigatório.

Assim, as chapas de oposição tiveram que se apresentar aos profissionais através das redes sociais, sem os endereços eletrônicos da maioria dos profissionais votantes, enquanto as chapas da situação, por serem as gestoras em seus respectivos Conselhos, detinham os e-mails da totalidade dos profissionais, ficando as chapas de oposição em desigualdade de condições para divulgarem as suas propostas.

Em função desta aparente falha na comunicação, na orientação e na divulgação sobre as chapas concorrentes ao pleito por parte dos Conselhos de Contabilidade, daqueles 375.373 profissionais aptos a votar, sem débitos com os Conselhos, somente 288.817 votaram. Então, daquele montante de 522.449 profissionais habilitados, apenas 288.817 votaram, o que representa 55,28% do total do colégio eleitoral. Além disso, se excluíssemos deste total os votos em branco (46.973 votos), a quantidade de votantes seria de 46,29%.

Uma quantidade assim reduzida de votantes para uma eleição em um órgão federal desta envergadura deveria preocupar o Ministério Público Federal, que precisa averiguar a forma como as atuais gestões dos Conselhos de Contabilidade agem para se perpetuarem no poder eleição após eleição.

Os Conselhos arrecadam, por ano, em anuidades, mais de 300 milhões de reais. Deste montante, menos de 10% é aplicado na fiscalização da profissão, quando a lei é bem clara sobre isso: os recursos dos Conselhos de Contabilidade devem ser aplicados em atividades úteis à profissão. Mas não é isto o que vem ocorrendo. Portanto, a intervenção do MPF se faz necessária, para o bem da contabilidade brasileira e da sociedade.
*Salézio Dagostim é contador, pesquisador contábil, professor da Escola Brasileira de Contabilidade - EBRACON, presidente de honra da Confederação dos Profissionais Contábeis do Brasil - APROCON BRASIL, fundador e ex-presidente do SINDICONTA-RS e da APROCON CONTÁBIL-RS e responsável técnico pela Dagostim Contadores Associados (P. Alegre/RS)