OPINA19JAN - ARTE O DIA
OPINA19JANARTE O DIA
Por Gabriel Chalita*
Nasci aqui e, aqui, aprendi a ver o pôr do sol descansando na praia. E, depois, adormecendo. E, depois, deixando a noite acontecer.

Não sou muito da noite, mas gosto do luar. Fico imaginando que a mesma lua que vejo é vista por gentes de outros cantos. Que as lembranças que tenho, outros também têm. Com histórias diferentes, mas com sentimentos comuns.
Os dias se despedem, isso é fato.

Gosto de levar minha filha para ver o pôr do sol. Nos dias em que tenho o direito de estar com ela. Sua mãe não gosta de mim. É o que Marina me repete. Aos 7 anos, ela é obrigada a ouvir, sobre mim, o que não sou.

A nossa despedida não foi bela. Eu havia pedido um tempo na quentura de tantos sentimentos que nos esfriavam. E ela decidiu terminar. Fiz o que deve fazer quem sente que ama. Enviei uma foto com um espaço na mesa preparado para estarmos juntos. Ela se sentiu invadida. Queria seu espaço. Disse coisas a mim que só perdoei por entender que não nasceram dos seus sentimentos. Fez os meus dias acordarem sofridos. Roubou de nós amanheceres acompanhados que nos faziam tão bem. Tentei argumentar. Algumas vezes, ela demorou dias para responder uma mensagem. Minha mãe, que ouvia minha dor, deu a isso o nome de perversidade. É perverso fazer o outro sofrer. Principalmente, quando o outro ocupou espaços tão aconchegantes dentro de nós.

Marina é o fruto de um amor jovem. De dias de sonhos acompanhados. Nos encaixávamos em tudo. Ríamos de tolices e éramos ligeiros na arte de surpreender. Bilhetes eram deixados em algum canto. Fazíamos uma trilha e tomávamos banho de cachoeira, depois do mar. E nos beijávamos sem pressa.

Não sei o que acontece comigo, mas tenho a teimosia de lembrar, apenas, os bons momentos. É claro que não era sempre assim. Mas, quando era, já estava bom. Tão bom.

Ela diz a nossa filha que eu logo arrumei outra. Que, se a amasse, deveria ter esperado. Mas foi ela que me disse que o amor acabou. Foi ela que, teimosamente, disse que os ciclos se encerram. Foi ela que espantou de nós a cumplicidade.

Quero voltar à mesa posta. Eu arrumei três espaços. Um para mim, um para ela, um para o nosso amor. Coloquei uma rosa no lugar que ela gostava. E fotografei. Aprendi que é bobagem partir, se ainda há sentimento. Que desperdiçar os dias não é prova de compreensão do próprio viver. Mas quanto mais eu dizia, menos ela ouvia. E, depois, foi o não atender. E, depois, foi o ódio quando comecei uma nova história. E a nova história começou, exatamente, no dia do café preparado.

Andava triste, vendo o mar e olhando o nada. E nos tropeçamos. Ela tem o nome da minha filha, Marina. E, subitamente, estávamos juntos. Sobre ela, conto um outro dia. O que me preocupa, agora, é minha filha. Não se ensina a viver com sentimentos mesquinhos. Eu nunca digo nada que diminua a sua mãe. Pelo contrário. Conto para minha filha histórias que vivemos juntos, quando ela estava e ainda não entendia. E éramos felizes. Mesmo com as nuvens. Mesmo com as indelicadezas da mente humana que nos levam a conclusões tão precipitadas.

Cada dia que se despede é um dia que se prepara. É, por isso, que a paciência é um sopro tão refrescante. Mandar no amanhã é para os precipitados. Tento não ser um desses. Às vezes, consigo; às vezes, não. Às vezes, estou frágil e é a ansiedade que manda em mim. E faço o que não devia. E, depois, me arrependo. E fico dando voltas em meu pensamento, tentando entender o que não tem entendimento.

A mulher que, hoje, amo me traz serenidade. No início, era na mãe da minha filha que pensava. Mas o tempo foi me ensinando a amar o amor que me ama. E, assim, foi esfriando de um lado para aquecer do outro. Foi vendo o sol descansar e o sol acordar. Sem a teimosia da espera. Que antes eu chamava de esperança.

Talvez o desenlace da primeira história só tenha ocorrido, porque eu nunca economizei no dizer os meus sentimentos e no deixar aberta a porta do reinício. Como ela se trancou e jurou não mais entrar, deixei de lado o tempo da humilhação e busquei o tempo do reencontro comigo mesmo e com um outro amor.

Hoje, o dia se despede mais lento. É verão. As pessoas se queimam na praia. Alguns corações também estão queimando. Dores de amor são mais comuns do que se imagina. Mas, sem esses sentimentos, que sabor teria o viver?

Sonho que Marina sonhe por ela mesma. Que faça as suas escolhas. Que sofra se necessário. Mas que compreenda que, mesmo se repetindo todos os dias, o pôr do sol merece uma atenção especial.
*Gabriel Chalita é professor e escritor