OPINA26JAN - ARTE O DIA
OPINA26JANARTE O DIA
Por Gabriel Chalita*
Foi minha filha quem comprou a passagem. Ela mora no Recife e faz algum tempo que insiste comigo que eu vá.

Tenho medo dessas modernidades. Gosto de andar a pé ou de ônibus ou até de carro. Avião, nunca andei. Mas o Recife fica longe. E ela pediu muito. Depois de me fazer tantas vezes de desentendida, ouvi um dizer mais forte, "É meu aniversário, mãe! Venha! Me dê esse presente".

Como é que eu iria dizer que não? Filha boa a minha. Estudiosa. Trabalhadora. Cuidadosa dos meus sentimentos. Perdi meu marido muito cedo e foi ela a minha força para abrir as janelas e prosseguir. Casei novamente. João Vicente não é de muita conversa. Gasta os dias trabalhando ou ruminando o silêncio. Eu sou da fala. Minha filha diz que eu não economizo nas palavras, conto cada detalhe das histórias. João Vicente só escuta. E acho que gosta, senão não estaria comigo. Ou se acostumou. Sei lá.

O aeroporto é muito grande. Demorei para entender o caminho. Fizemos uma mala para os dois. Com as nossas coisas para poucos dias. Passamos uma noite sem dormir. Ansiosos. E lá fomos. O Reis, que é taxista amigo, nos levou. Explicou mais ou menos o que teríamos que fazer. E fizemos. No nosso tempo. Com os nossos descuidos.

A tal da máquina ficou apitando. Eu tirei os brincos, como mandaram. Tirei a corrente. Mas não percebi que havia umas moedas no bolso. Pedi desculpas. Quis explicar que eu tinha recebido de troco da feira e que era o mesmo vestido. A mulher, simpática, pediu que eu prosseguisse. Havia gente esperando. Acho que atrapalhei.

Demoramos para entender onde ficava o nosso voo. Todo mundo com muita pressa. Eu perguntava e eles mandavam eu olhar para um lugar cheio de palavras e de números. E eu não achava. Achei uma boa alma que me ajudou.

Sentamos e esperamos. Disseram que era para entrar em grupos. Eu não sabia qual era o nosso grupo. Fui perguntar para a mulher, mas era tanta gente perguntando tanta coisa que ela não me viu.
Entramos na fila. Grupo errado. Mandaram voltar. Fiquei com vergonha. É triste não saber. Voltamos. Outra fila.

Entramos no avião. Eu estava nervosa e o João Vicente, quieto. Sentamos onde estava vago. Meu coração batia diferente. Um tremor foi me avisando que não teria tranquilidade. Fechei os olhos. E alguém disse que estávamos sentados no lugar errado. Eu disse que não havia ninguém. Ele disse que não havia porque ele não havia chegado. Eu perguntei se tinha lugar certo. Ele me chamou de muito estúpida e mandou que eu levantasse. Eu perguntei onde deveria ir. Ele riu do meu não saber e se fez de melhor do que eu.

João Vicente só olhava. E meneava a cabeça de um lado e de outro. Foi quando uma mulher pediu que ele tivesse calma. Perguntou se estava fácil encontrar a minha passagem. Eu disse que sim. Mas não achava. Comecei a chorar. Estava atrapalhando a fila. Ela disse que eu ficasse tranquila. Achamos a passagem e ela nos conduziu até onde deveríamos sentar. O homem, irritado, reclamou da mala. João, que nunca diz nada, me disse que estava perdendo a cabeça. Fiquei nervosa. Um nó no estômago ou na garganta. Não sei explicar direito. Me senti burra. Me senti mal. Mas tive que dar um jeito por ele. E o acalmei com um beijo.

Nos sentamos. Meu coração temia por outros erros. Mas Rita, a mulher que nos ajudou, trouxe outros pedaços de bondade. Dividiu conosco seu chocolate. Falou que era muito seguro viajar de avião. Trocou de lugar para sentar perto de mim. Ouviu com amor as tantas histórias que resolvi contar. E, eu juro, ela estava gostando de ouvir.

Quando o avião foi levantar, pedi a ela para segurar sua mão. Ela consentiu. Depois, tudo se ajeitou. E eu até gostei de ver tanto azul num céu maior do que eu jamais tinha visto. Comentei com o meu marido que até sorria de emoção. Íamos chegar no Recife. Íamos ver minha filha. Íamos sentir mais calor. O medo foi embora no sorriso de Rita. Ela nos acompanhou até a saída. Disse para minha filha que queria uma mãe como eu. Tive vontade de chorar. Dessa vez, de emoção. Sim. Tem gente boa no mundo!
*Gabriel Chalita é professor e escritor