Ivan Accioly - Divulgação
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Por Ivan Accioly*
O caso da queda do Roberto Alvim reforça a percepção do quanto ainda falta aos negros para alcançarem peso político – no mínimo - equivalente à presença que têm na população brasileira. Poucas semanas antes deste fato provocado pela encenação grotesca que evocava o ideário nazista encarnado por Joseph Goebells, tiveram repercussão os absurdos do pensamento racista (sim, ele é negro, mas isso não o impede de ser racista) de Sérgio Camargo, então presidente da Fundação Palmares. Apesar da revolta em parte da comunidade negra e da pressão para sua demissão, o governo não recuou de sua nomeação. Ele só perdeu o cargo por decisão judicial.

Isso revela que seu pensamento era de concordância de seus chefes à época: o próprio Alvim e, claro, acima dele, o ministro do Turismo – o encrencado em investigações policiais Marcelo Álvaro Antônio, e o presidente Jair Bolsonaro. Se todos silenciaram sobre as declarações de Camargo e o mantiveram no posto é porque concordavam com elas e não vislumbravam riscos de terem suas imagens prejudicadas, num sinal de que a população não seria impactada.

O fato de os autodeclarados negros serem 56% da população brasileira (IBGE-2019) e não conseguirem demover o governo de sua posição, ganha uma dimensão absurda quando vemos os resultados imediatos, com o verdadeiro e justo tsunami provocado pela reação da comunidade judaica no caso Alvim, principalmente comparados aos seus 0,06% de presença na população brasileira.

Nos dois casos temos a evidência do mais execrável que a sociedade pode gerar. Ambos são criminosos, mas vemos que os pesos e medidas, infelizmente, são incomparáveis. Não se trata de disputar quem é mais ou menos discriminado (nem é necessário esse debate), mas de registrar e verbalizar, para mexer nas zonas de conforto. Afinal, no imaginário brasileiro o papel da população negra na estratificação social leva à minimização da indignação frente às ofensas e agressões que sofre. Para o corpo negro são permitidas as relativizações.

Entra em cena a memória social escravagista e se evidencia a desvalorização do negro, considerado um ser de classe inferior. Portanto, o desrespeito, a desvalorização que sofre não provocam revolta. Quando muito – em alguns – geram uma vergonha contida por fazer parte dessa sociedade, mas que logo passa. Basta pensar convictamente que a postura reprovável é a “do outro” e já é suficiente para se sentir aliviado, mesmo sem nada fazer para contestar.

*Ivan Accioly é jornalista