Cid Curi - Divulgação
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Por Cid Curi*
A falta de debate sobre a privatização da Cedae impede que a população conheça os tantos aspectos desastrosos desta medida proposta pelo governo do Rio de Janeiro. O silêncio cria um ambiente favorável para que as pessoas simplesmente aceitem a venda. Mas precisamos avaliar a fundo suas consequências.

Entre os muitos pontos negativos que surgiriam caso a privatização se concretize está a perda anual de mais de R$ 500 milhões que o Rio sofrerá com o fim da imunidade tributária, garantida à Cedae pelo Supremo Tribunal Federal, em 2017. Enquanto a empresa for pública, são R$ 500 milhões que deixam de ser pagos de Imposto de Renda por ano e que serão totalmente aplicados em investimentos na rede de água e de esgoto, em áreas que não dão retorno financeiro. Privatizada, com donos que visam tão somente ao lucro, a Cedae dá adeus a esse direito.

O STF determinou também a devolução de impostos já pagos. São cerca de R$ 4 bilhões que poderão ser utilizados na universalização da prestação dos serviços ou no pagamento do empréstimo de R$ 2,9 bilhões feito pelo estado ao Banco Paribas, que envolveu as ações da companhia como garantia.

Para não sermos enganados pela presunção privativista de que a eficiência chega com a venda, deve-se ter em mente os quatro principais motivos que vêm obrigando a reestatização dos serviços de água e esgoto no Brasil e no mundo. São eles: abandono da população de baixa renda (lembrando que, somente no município do Rio, 1,4 milhão de pessoas, 22% da população, mora em favelas); aumento desmedido de tarifas; não realização, pela empresa privada, dos investimentos estabelecidos no edital e no contrato; e queda substancial da qualidade dos serviços.

Toda a população é prejudicada, mas os mais atingidos são os menos favorecidos economicamente. Isso porque o padrão é de que a quase todo investimento que a empresa privada deixa de realizar refere-se a áreas que não dão retorno financeiro. Entre os prejuízos, está o roubo das décadas de avanço em direção à universalização dos serviços de água e esgoto.

Para se ter uma ideia, em 2000, Manaus privatizou o saneamento básico. Hoje, 20 anos depois, com uma população de 2,2 milhões de habitantes, menos de 300 mil têm o esgoto coletado, e 600 mil não têm água encanada. Quase nada foi feito. No Tocantins, a empresa que assumiu os serviços encheu os bolsos de dinheiro e devolveu a operação ao governo após 20 anos. Segundo o IBGE, somente 36,6% da população do estado têm acesso à rede de esgoto.

Não à toa, cerca de 300 cidades do mundo optaram pela reestatização. Berlim é um exemplo emblemático. A insatisfação era tanta que o poder público pagou cerca de R$ 8 bilhões para recuperar o que antes de privatizar já era dele. Um desperdício. Devemos evitar que semelhante insanidade ocorra no Rio. Diante de tantas razões, resta a dúvida: por que a pressa irresponsável de se iniciar em meio à pandemia um processo de privatização que deveria ser às claras, com discussões técnicas e abrangentes?
*Cid Curi é engenheiro sanitarista e ex-presidente da Cedae