João Batista Damasceno: Desmonte do serviço público e do Brasil
Serviços públicos passarão a ser prestados por empresas privadas, que além de cobrar por eles, serão subsidiadas pelo poder público, sem qualquer controle
Por João Batista Damasceno*
Visando a qualificar os funcionários públicos o presidente Getúlio Vargas instituiu o Departamento de Administração do Serviço Público (Dasp), encarregado de formar a elite dirigente dos órgãos estatais e prestação de adequados serviços públicos à sociedade brasileira. Era um projeto de nação soberana em prol dos brasileiros e não um projeto ‘patrioteiro’ como o dos que vestem camiseta verde-amarela, mas choram e batem continência diante de bandeira de país estrangeiro para entregar as riquezas nacionais.
Uma importante geração de brasileiros foi qualificada profissionalmente no Governo Vargas. O avô do deputado Rodrigo Maia e pai do vereador e ex-prefeito César Maia, Felinto Epitácio Maia, foi dirigente da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), desdobrada posteriormente em Banco Central e Casa da Moeda. Fez parte da geração de profissionais valorizados e qualificados para o serviço ao público na Era Vargas.
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A relação familiar dos Maias com a burocracia estatal vem das origens no Nordeste e com o mercado financeiro perpassa gerações. Mas, o deputado Rodrigo Maia também é genro do ex-governador Moreira Franco, que era genro do ex-governador Amaral Peixoto que era genro de Getúlio Vargas. A parentela é conceito sociológico estudado no Brasil por Oliveira Vianna, talvez o mais importante intérprete do Brasil e intelectual orgânico do Governo Vargas.
Desde a formação do Brasil, os genros foram de muita importância política. Era mediante o casamento das filhas com os bacharéis oriundos das cidades que os coronéis estabeleciam relações com o governo central e a burocracia estatal. A Primeira República ficou notável pelo coronelismo, caracterizado pelo mandonismo local dos donos de terras, e o bacharelismo dos genros.
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A desorganização dos serviços públicos na Primeira República foi quase total e isto atendia aos interesses dos coronéis. A Era Vargas reinventou o Brasil, mas os projetos de desorganização dos serviços públicos em prol dos interesses privados foram retomados, em prejuízo da sociedade brasileira.
Grandes obras públicas do passado foram programadas e executadas por órgãos públicos e seus funcionários. As mais notáveis são as projetadas pelo funcionário público Oscar Niemeyer, em seus anos iniciais de carreira. Desde a Era JK as empreiteiras ganharam terreno e os funcionários que antes exerciam o papel foram sendo deixados de lado. E assim fizeram sucessivos governos nas diversas esferas federativas. o Rio de Janeiro, no Governo Leonel Brizola, foi diferente. Para construção dos Cieps foi montada uma ‘fábrica de escolas’, e dela saiu também o sambódromo.
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Neste momento, além da desvalorização dos servidores públicos, tem-se igualmente o desmonte do serviço público. A um só tempo atende-se a três interesses: os serviços públicos passarão a ser prestados por empresas privadas, que além de cobrar pelos serviços, serão subsidiadas pelo poder público, sem qualquer controle; os serviços a serem prestados à administração pública serão contratados no mercado, enriquecendo quem os presta e, os servidores públicos concursados e efetivos serão substituídos por ocupantes de cargos comissionados. Estes são imprescindíveis para as ‘rachadinhas’, pois funcionários concursados e efetivos não contribuem para os que os nomeiam e os mantém no cargo.
O desmonte do serviço público não é um acidente. É um projeto e atende, também, aos interesses do capital financeiro. O problema é que muita gente que está, com razão, desgostosa com os serviços prestados precariamente, não pugna pela sua melhoria, mas pela sua privatização. Mas, muitos não poderão pagar por eles quando forem prestados e cobrados pelo mercado. A PEC da Reforma Administrativa é o fim de um projeto de responsabilidade do Estado com a sociedade brasileira. É o fim do pouco que temos de Estado de Bem Estar Social.
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*João Batista Damasceno é professor da Uerj e doutor em Ciência Política