Gabriel Chalita, colunista do DIA - Divulgação
Gabriel Chalita, colunista do DIADivulgação
Por Gabriel Chalita*
Chovia e eu estava triste. O despedir daquele dia trazia lembranças que rasgavam em mim as partes que precisavam ficar inteiras. Eu decidia os motivos. E errava. Culpava alguém. E errava. Lamentava escolhas feitas no passado. E errava.

A chuva me convidava a ouvir o que, há pouco, era inaudível. Sons silenciosos barulhavam em mim. Eu estava sozinho. E acompanhado de vidas que eu gostaria que voltassem a estar. Estavam; de alguma forma, estavam.

Levantei um pouco os pensamentos e resolvi deixar de brigar. Foi, então, que, me sentindo triste, convidei a tristeza para um café. O velho coador de pano recebeu o pó e, depois, a água que, ao passar, ia perfumando aquele dia chuvoso e se transformando em sabor.

Foi, então, que me sentei em tudo. E que conversei com a tristeza explicando o que eu sentia e mostrando, inclusive, compreensão pela sua presença. Um café não se toma apressado, inda mais acompanhado. Fui dizendo os dias em que ela foi quase insuportável. Ouvi, no silêncio, as explicações, o que veio depois, o que ficou em mim. Mudei de dor. Fui buscando feridas que já não mais havia.
E fui tentando disfarçar as que, por alguma razão, resolvi colecionar, porque talvez tenha a elas me apegado. As dores de estimação.

Chorei sem avisos. E ela, a tristeza, esperou. E esperamos o barulho da chuva nos ensinar sobre a germinação. A morte gera a vida. É assim na semente e no que brota. É assim com o dia. A morte da noite gera um dia que, ao morrer, faz nascer uma outra noite. Em mim, há o que morre e há o que nasce.
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Expliquei à tristeza que a solitude não me agradava e concluí que, tampouco, as companhias. Que, quando estava acompanhado, me faltava. E que só, também.
Deixei o choro e passei a experimentar a quentura do café. E a brindar, em silêncio, a vida. Éramos três, a tristeza, o barulho da chuva e eu. E todos os outros que ainda estavam. Fui me experimentando e percebendo que rasgado eu não estava. Impressões erradas nos conduzem a errados sentimentos.

A tristeza parece ter gostado do café. E a chuva foi se rarefazendo como, também, as ausências. Foi quando desisti de pedir à tristeza que partisse. Era bom conhecer um pouco melhor quem tanto me conhecia. E me ensinava. E me fazia companhia. Pela janela percebi o luar. E sorri das minhas esquisitices.
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*Gabriel Chalita é professor e escritor