Deputada Mônica Francisco (PSOL) - Divulgação
Deputada Mônica Francisco (PSOL)Divulgação
Por Mônica Francisco*
O assassinato brutal de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, na véspera do Dia da Consciência Negra, por dois homens brancos que deveriam garantir a segurança em uma unidade do Carrefour de Porto Alegre mais uma vez escancara o racismo entranhado nas estruturas do nosso Brasil. Negar é a outra face que nos mata todos os dias. Os dados estatísticos expõem a realidade de tal forma que não abrem espaço para o negacionismo impresso pelas autoridades e pela elite branca desses tempos.
O primeiro número que nos afronta é o das mortes violentas, em sua maioria por armas de fogo, das 25.712 vítimas de morte violentas nos primeiros seis meses de 2020 74% eram não brancos, este é um dado do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O Atlas da Violência 2020 apontou que 75,7% das pessoas assassinadas em 2018 eram negras e ainda que houve crescimento de 11,5% nos últimos 11 anos.
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Basta uma rápida olhada nos números dos estudos para saber que nós, negras e negros, somos as maiores vítimas da violência do Estado; da doméstica; da violência obstetrícia; moramos nos territórios mais precários; somos a maioria dos desempregados; estamos nos postos de trabalho mais precarizados e somos a maioria entre as vítimas da covid-19, não à toa a primeira morte no Rio de Janeiro foi uma trabalhadora do serviço doméstico, que não fora liberada pelos contratantes contaminados. Todos estes dados mostram o racismo estrutural enraizado no Brasil.
As imagens do massacre físico a João Alberto Silveira Freitas dentro da estrutura do Carrefour, em Porto Alegre, é só mais um caso de violência protagonizado em um dos estabelecimentos do grupo e eles seguem operando sem sanções no Brasil. Mesmo com a queda de 17,7% sobre o lucro líquido, devido à pandemia, o Carrefour somou, excluindo outras receitas e despesas, R$ 401 milhões no trimestre. Isso equivale dizer que, enquanto assassinava Beto, a empresa lucrou aproximadamente R$ 4 milhões.
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É também necessário ressaltar que a morte de Beto não impactou em absolutamente nada no desempenho da empresa no mercado financeiro. Suas ações mantiveram alta de 2,4%, e seus acionistas continuam obtendo um lucro de R$ 20,48 de dividendo por cada ação. Isso fala muito sobre a normalidade do racismo estrutural no mercado financeiro. Não aceitamos mais essa normalidade enquanto nossas vidas são dizimadas.

Doar o resultado das vendas do dia 20 de novembro a instituições que combatem a prática do racismo não resolverá. O conselho europeu do grupo precisa ser cobrado seriamente. É preciso que a empresa mude sua forma de atuar, promova práticas antirracistas entre seus funcionários, desde a presidência ao menor cargo. O que obviamente não é feito.
Se o fosse, a tortura, o espancamento e os assassinatos não seriam tão recorrentes. Assim como uma funcionária não acharia “normal” gravar o assassinato de um homem e ainda se dar ao direito de ameaçar quem estava filmando do outro lado.
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Então não é surpresa que, em pleno Dia da Consciência Negra, a delegada responsável pela investigação do homicídio de Beto afirme, sem qualquer explicação mais detalhada, que não se trata de racismo. No mesmo sentido, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, lamenta o espancamento, mas nega o racismo no Brasil. Nossas dores são negadas todos os dias pela sociedade brasileira.
Esse é mais um episódio onde a concepção individualista e liberal tenta nos convencer de que não existe problema nas estruturas da nossa sociedade, mas um problema centrado em indivíduos racistas particulares, o que levaria à criminalização dos seguranças e a desresponsabilização da rede de supermercados e do conjunto da sociedade.
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O posicionamento do sistema de Justiça e das autoridades, porém, escancara as chagas sociais e nos aponta o papel central das instituições na perpetuação do racismo ao naturalizarem e materializarem o modo de socialização, que tem como eixo central a subordinação de negros e indígenas.
Como bem diz o professor Silvio de Almeida, “as instituições são racistas porque a sociedade é racista”.
Infelizmente, o caso de Beto se soma às vergonhosas estatísticas que mostram que assassinatos de negros aumentaram 11,5% e de não negros caíram 12,9% entre 2008 e 2018, de acordo com o estudo elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Ipea.
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Não nos calaremos diante do projeto de morte, e denunciaremos as tentativas de apagar as marcas do genocídio em curso. Todo apoio aos nossos e às nossas, toda nossa luta contra o racismo sistêmico e estrutural que nos lembra todos os dias quem somos nesse país.

Deputada estadual do Psol e vice-presidente da Comissão de Combate às Discriminações da Alerj