Marcela Ortiz diretora-presidente do Instituto de Segurança Pública
Marcela Ortiz diretora-presidente do Instituto de Segurança Públicadivulgação
Por Marcela Ortiz*
Em 2006, o Instituto de Segurança Pública (ISP) se tornou o primeiro órgão estatal do país a produzir um estudo dedicado ao tema violência contra a mulher. Foi neste ano que publicamos o primeiro Dossiê Mulher, com estatísticas e análises sobre esse fenômeno criminal. Todo esse tempo de constante aperfeiçoamento colocou o ISP como uma referência nacional quando o assunto são os dados de violência doméstica.
E, para ampliar o nosso trabalho e elaborar novas iniciativas, em fevereiro, criamos o ISPMulher. O núcleo é responsável por subsidiar o Poder Executivo estadual com dados sobre a violência contra a mulher. Temos outra missão que é, talvez, ainda mais importante: fomentar o debate.

A violência doméstica não é algo que podemos estudar de forma isolada, sem levar em consideração a nossa formação como sociedade. Infelizmente, a igualdade de gênero ainda está em um horizonte distante. O machismo, em sua última forma, abre as portas para que o homem se ache no direito de praticar violência psicológica, sexual e física contra as mulheres. Esse problema não deu trégua nem no momento mais crítico do século. Durante a pandemia do coronavírus, se livrar dessa violência se tornou ainda mais difícil, tendo em vista que precisamos nos isolar socialmente.

Entre 13 de março e 31 de dezembro de 2020, 73 mil mulheres foram vítimas de algum tipo de violência no Estado do Rio de Janeiro. Isso representa uma média de cerca de 251 vítimas em cada um dos 293 dias em que o estado esteve em algum nível de isolamento social. A casa, que deveria ser um local de acolhimento, pode ser um pesadelo para muitas dessas mulheres.
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Mais de 60% delas foram violentadas justamente dentro de casa e, em mais de metade dos casos, os parceiros ou ex-parceiros foram os autores. Os dados são muito alarmantes, ainda mais se levarmos em consideração que muitas mulheres não conseguiram denunciar os crimes por estarem confinadas com seus agressores.

Esse recorte estatístico mostra o tamanho do desafio do Estado no enfrentamento a esse tipo de violência, que acontece intramuros. É importante dizer também que muitos de nós normalizamos o comportamento machista dos homens, a violência dita de menor potencial ofensivo. Na minha carreira, acompanhei por diversas vezes casos trágicos de violência doméstica.
A história se assemelha a uma escada. O primeiro degrau muitas vezes é relevado, mas sempre há um próximo degrau, sempre mais perigoso e sofrido para a mulher. O último estágio dessa escada trágica é o feminicídio. Só durante o período de isolamento social de 2020, 65 mulheres perderam a vida só por serem mulheres. Como sociedade, precisamos denunciar, acolher essas mulheres e trabalhar para que não tenhamos mais vítimas de violência doméstica.


*É diretora-presidente do ISP