Marcos EspínolaDivulgação

Passado um ano e meio de pandemia, o saldo é cada vez mais preocupante não só pela contaminação, ainda presente, mas pelos efeitos colaterais do seu impacto na Economia. Boa parcela da população agoniza com fome. Sim, famintos que, sem empregos e moradia, amargam a miséria que levam muitos a atos de desespero, como o furto de comida, que tem aumentado em todo o país. Um sinal de alerta para todas as autoridades que em vez de discutirem as eleições do ano que vem têm uma emergência em salvar vidas, não só vacinando, mas oferecendo meios para acesso à alimentação básica.
Embora não haja dados oficiais, os casos de furtos famélicos, aqueles quando o réu furta para poder comer, estão chegando cada vez mais ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), porém de forma desnecessária, pois há um entendimento do STF de que casos como esses devem ser arquivados, seguindo o princípio da insignificância. A norma não é obrigatória, mas orienta juízes a desconsiderar casos em que o valor do furto é tão irrisório que não causa prejuízo à vítima do crime.
No entanto, muitos juízes e desembargadores estão mantendo a custódia e condenando esses réus à prisão, o que, através dos recursos de defesa, contribui para a lentidão da Justiça, pois esses processos, considerados simples na primeira instância, abarrotam as esferas mais altas do Judiciário. Segundo notícias recentes, somente no STJ, em 2017, foram mais de 84 mil processos e no ano passado mais de 124 mil, uma alta de mais de 47%.
O avanço da pobreza na última década foi agravado pela pandemia. Em 2020, cerca de 19 milhões de pessoas viviam em situação de fome no país, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da covid-19 no Brasil, um aumento de 84,4% em comparação a dois anos antes quando, em 2018, eram 10,3 milhões.
Num resumo geral, a grave crise econômica tem deixado muitos brasileiros vulneráveis, fomentando a pobreza e o crime num aspecto ainda mais amplo, pois prender pessoas por delitos não-violentos e sem prejuízos à vítima, ajuda facções criminosas que controlam a população carcerária brasileira que, no primeiro semestre do ano passado, somava mais de 678 mil pessoas, segundo o Departamento Penitenciário Nacional. É que, para sobreviver num presídio superlotado e insalubre, é preciso se render às facções. Quando o indivíduo sai tem uma dívida a ser paga com crimes mais graves e violentos, ou seja, em vez de ressocializado o cidadão sai pior do que entrou.
É aí que a fome vira crime.

Marcos Espínola é advogado criminalista e especialista em segurança pública