Pedro Serrano Divulgação

A CPI da Covid caminha para o seu encerramento como uma das mais relevantes investigações parlamentares dos últimos anos. Ainda que tenhamos nos deparado com severos abusos no exercício de prerrogativas parlamentares, efeitos circenses e de busca de promoção pessoal, é inegável que a instalação da comissão ocorreu em resposta à generalizada letargia de órgãos de controle e da oposição diante da política nefasta e criminosa do governo federal durante a pandemia.
Com efeito, a Constituição assegurou às minorias parlamentares, inclusive para fins de efetividade da própria democracia, um importante mecanismo de fiscalização dos poderes constituídos e de exercício do direito de oposição. Entretanto, muitos parlamentares, na função de inquisidores, equivocaram-se na forma de lidar com os direitos constitucionais dos investigados.
Vilipendiou-se, sobretudo, o direito ao silêncio, inclusive através de artimanhas ao tratar depoentes como investigados, mas sem assegurar direitos que lhe são inerentes. Goste-se ou não, o direito ao silêncio é assegurado pela nossa Constituição e possui um fundamento importantíssimo: a proteção à não autoincriminação, ou seja, o direito da pessoa de não produzir provas contra si mesma.
Por essas razões, o comportamento errático de parlamentares deve ser objeto de intenso questionamento, isso para fins de aprimoramento de um dos mais relevantes mecanismos de fiscalização dos poderes constituídos: o funcionamento de uma CPI. O compromisso com a democracia e com os direitos constitucionais deve prevalecer sobre qualquer pauta pessoal.
Realizadas as necessárias críticas, o saldo do trabalho da CPI é positivo no cômputo geral. Foram colhidos depoimentos de testemunhas e levantadas provas documentais muito relevantes para análise de órgãos judiciais e administrativos de controle e, ainda, para a própria História do Brasil.
Destaque-se, aqui, que as CPIs não se destinam apenas a apuração de responsabilidade civil, penal e administrativa e encaminhamento dos elementos de convicção aos órgãos de controle competentes. Rigorosamente falando, trata-se de instância de debate de matérias de relevante interesse social, a ensejar, a luz das abrangentes atribuições que são conferidas aos parlamentares, a otimização da atividade parlamentar como um todo.
Numa escala mais ampla, a democracia é um sistema vivo, dinâmico e complexo, realizando-se, na sua acepção plena, através de intenso debate público sobre temas de relevantes para a própria relação que se estabelece entre a cidadania e o Estado brasileiro.
É fundamental que a conclusão dos trabalhos da CPI da Covid abra caminho para um comprometido debate público para fins de discussão legislativa criminalizadora de condutas especialmente graves. Nos preparando para futuras pandemias, conforme a Ciência já anuncia, é preciso sancionar a inação governamental no enfrentamento de pandemias e, igualmente nesse contexto extraordinário, condutas atentatórias à Saúde pública por parte de médicos que, no exercício da profissão, atuem na contramão da Ciência.
Políticas públicas não podem, jamais, sujeitar-se ao voluntarismo e pautar-se pela indiferença. Porém, os últimos meses nos mostraram os efeitos deletérios de atuações governamentais que, contrárias à Ciência e à vida, colocam em cheque a compaixão à dor alheia. A história não pode se repetir.

Pedro Estevam Serrano é Bacharel, Mestre e Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP com Pós-Doutoramento em Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Ciência Política pelo Institut Catholique de Paris e em Direito Público pela Université Paris Nanterre; Professor de Direito Constitucional e Teoria Geral do Direito na graduação , mestrado e doutorado da PUC/SP, sócio do escritório "Serrano, Hideo e Medeiros Advogados