Eugênio Rosa de Araujo, Juiz federal e mestre em Direito Constitucional EconômicoDivulgação

Para que um pipoqueiro venda seus saquinhos de pipoca, é preciso comprar muitos insumos, como o milho, manteiga ou margarina, sal, açúcar, achocolatado, gás GLP, saquinhos para servir a pipoca, aluguel do galpão para guardar o carrinho e o salário de um eventual ajudante.
Em outubro de 2016, quando o MEI foi criado, ele não podia ter receita bruta (tudo que se ganhou com a venda das pipocas, sem descontar todos os custos acima indicados) acima de R$ 6.750. Ora, de lá para cá, sabe-se que todos aqueles insumos aumentaram de preço em pelo menos, vamos dizer, 40%? Isso quer dizer que o pipoqueiro que faturava aquele valor em 2016, já há bastante tempo deveria ter sido “reenquadrado” como microempresa e todas as consequências que isso acarreta.
Isso ocorre porque, para produzir a mesma quantidade de pipoca que produzia nos idos de 2016, o pipoqueiro vai gastar, pelo menos, mais 40% do que gastava e, com isso, aumentar sua receita bruta, seu faturamento. Pode até estar pior de vida (menos lucro), mas vai estar faturando mais por causa da inflação.
Essa é a face cruel da inflação do período de 2016/2021. Esse aumento da inflação, com o aumento dos preços dos insumos para vender a pipoca, aumentou os custos do microempreendedor e, por consequência, o preço da pipoca, mas não aumentou aquele valor fixo da lei do MEI.
Resultado, o MEI para sobreviver teve que aumentar o preço da pipoca mas, com isso, ficou muitas vezes na condição de se reenquadrar como microempresa porque seu faturamento ultrapassou o limite de R$6.750, por mês ( a lei dá uma tolerância de até 20%). Assim, desde 2016 , a inflação deve ter retirado do regime do MEI uma enormidade de empreendedores pela incidência da inflação nos insumos, aumentando a receita bruta/faturamento, sem que isso melhorasse seus lucros. E ainda vemos comentaristas dizendo que isso se deveu ao sucesso do MEI por estar faturando mais (!?)
A inflação é um fenômeno cruel porque toma do MEI a oportunidade de se manter no regime facilitado de pagamento de tributos e recebimento de benefícios previdenciários, isso porque, a única saída para ele é, faturando mais do que o limite da lei, pedir o reenquadramento para microempresa.
E isso não é fácil. Pedir o desenquadramento é obrigatório quando o faturamento ultrapassa o limite legal e se não for solicitado, ele pode ser excluído do simples (regime simplificado de pagamento de tributos), receber multas, ter sua dívida fiscal incluída no sistema de cobrança das receitas da União Federal, Estados E Municípios, e ainda, ver a porta dos bancos fechada para empréstimos.
Esse limite fixo para o MEI é um dos maiores desestímulos para a atividade microempreendedora porque a inflação, que aumenta o preço de todos os insumos ( e por consequência o faturamento) não corrige o limite fixo da lei que estipula o limite de R$ 6.750, mensais, expulsando, todo ano, milhares de MEIs do regime mais benéfico.
Independentemente das razões pelas quais a inflação esteja aumentando, se esse valor do faturamento mensal não for corrigido, e só pode ser feito por lei, a sangria de expulsão do MEI vai continuar, até que, em algum momento no futuro, aquele propósito inicial de tirar o empreendedor da informalidade esteja totalmente frustrado. Esse problema poderia, quem sabe, ser solucionado por meio de uma lei do congresso nacional que autorizasse ao Presidente da República, por decreto, atualizar o valor do teto anualmente. Os economistas dirão: ah, isso vai estimular a inflação. É verdade, pode ser.
Mas fica a pergunta: como vamos explicar ao pipoqueiro que tinha esperança de melhorar de vida e que não colabora com o aumento da inflação, que ele terá que se desenquadrar do MEI porque o GLP, a manteiga, o milho, o açúcar, o sal, o aluguel e os saquinhos de papel aumentaram muito?
Eugênio Rosa de Araujo é juiz federal e mestre em Direito Constitucional Econômico