João Batista DamascenoDivulgação

“A primeira coisa que faremos será aniquilar todos os defensores do povo”. Esta frase é parte da conversa do conspirador Ricardo, na obra Rei Henrique IV, de William Shakespeare. Os que conspiram contra as liberdades públicas ou atuam à margem da lei efetivamente têm suas razões para pretenderem aniquilar os que defendem a dignidade da pessoa humana. E neste sentido as defensorias públicas no Brasil sempre estiveram na mira dos que odeiam e não sabem exercitar a compaixão, qualidade que nos faz humanos e nos torna capazes de compartilhar o sentimento dos que sofrem, propiciando meios para minorá-lo.
A compaixão suscita um impulso altruísta de ternura para com o sofredor e nos torna solidários. O cristianismo, e depois dele a cultura dos direitos humanos, se funda na solidariedade aos desvalidos, que são os que mais demandam justiça.
A Justiça não é apenas o resultado de uma decisão judicial. Precisa ser mais que isto e alcançar a plenitude do que é necessário para a pessoa humana. Mas, diante da supressão dos direitos à Saúde, Educação, emprego, alimentação, moradia e outros essenciais ou vitais a atuação das defensorias públicas no Brasil tem sido um alento para aqueles que sofrem. A própria existência das defensorias públicas é questionada em alguns lugares, isto porque buscam assegurar direitos dos pobres contra quem tudo se apropria.
Por outro lado, onde existem tem-se buscado enfraquece-las, ora lhes subtraindo meios de funcionar com eficiência e noutros momentos lhes subtraindo as atribuições. Quando do julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que questionava a legitimidade da Defensoria Pública para propor ações coletivas, a ministra do STF, Cármen Lúcia, com a lucidez que lhe é peculiar, fez a seguinte indagação: “A quem interessa enfraquecer a Defensoria Pública?”. A ministra Cármen Lúcia é oriunda de Minas Gerais, terra da liberdade e de Tiradentes, condenado à forca e esquartejamento, sem defesa efetiva.
A defesa de um indivíduo que sofre uma injustiça é importante. Mas, muito mais importante é a defesa de um conjunto de indivíduos por meio de uma ação coletiva. Com uma única ação e uma única sentença todos os que estejam na mesma situação podem ter assegurados os direitos lhes garantidos pela ordem jurídica. Naquele caso o STF decidiu, por unanimidade, que os defensores têm legitimidade para a propositura de ações coletivas.
Mas aquela decisão do STF não foi suficiente para calar os punitivistas. Neste momento voltam a atentar contra o direito de ter direito e buscam suprimir, também com uma ação no STF, o poder de requisição pela Defensoria Pública. O argumento é que se os advogados não têm direito de requisição, os defensores também não podem ter e que isto implica disparidade de armas.
Requisição é ordem legal de apresentação ou disponibilização de determinado bem ao requisitante para atendimento a fim de interesse público. O poder de requisição de informações ou provas pela Defensoria
Pública é fundamental para a garantia do direito de defesa, devido processo legal e garantia de interesses legítimos. Se os advogados não o têm, não é o caso de suprimir tal prerrogativa das defensorias públicas, mas estender aos advogados, tal como ocorre nos Estados Unidos. De outro modo, teríamos a supressão do poder requisitório da Defensoria Pública, indispensável para a defesa dos direitos, porque os advogados não o têm, e manutenção do poder do Ministério Público, para a acusação.
A Constituição da República não confere ao Ministério Público poder para instaurar e presidir inquérito policial, podendo requisitá-lo. E deve exercer o controle externo da atividade policial. O MP, com amplo poder requisitório, não tem poder investigatório em matéria criminal. Mas, o faz. Poderia se limitar à requisição do trabalho que compete à policia e exercer o controle para aferir se foi realizado adequadamente. Em momento no qual devemos instituir a investigação defensiva, para contraposição à
investigação policial ou do MP, às vezes com duvidosa legalidade, não atende ao Estado de Direito Democrático a supressão do poder requisitório das defensorias públicas.
Para a plena realização do devido processo legal, contraditório e ampla defesa não só é indispensável a manutenção do poder requisitório das defensorias públicas, como é fundamental a instituição da investigação defensiva. Tais direitos não hão de ser garantidos em favor das defensorias públicas ou dos defensores, mas dos assistidos por tal instituição e agentes de defesa.
 
João Batista Damasceno - Doutor em Ciência Política (UFF), professor adjunto da UERJ e desembargador do TJ/RJ membro do colegiado de coordenação regional da Associação Juízes para a Democracia/AJD-RIO.