O Dossiê Mulher, do Instituto de Segurança Pública (ISP), aponta que em 2020, só no Estado do RJ, foram registradas 78 mortes enquadradas no crime de feminicídio, sendo que cerca 20% delas foram assassinadas na presença dos filhos
Juliana Brizola é deputada (Líder da bancada do PDT na Assembleia Legislativa do RS) - Divulgação
Juliana Brizola é deputada (Líder da bancada do PDT na Assembleia Legislativa do RS)Divulgação
O feminicídio é considerado um crime de poder porque o homem pratica violência contra a mulher quando perde ou acredita que está perdendo o controle da relação. Isso é reflexo de uma cultura patriarcal, que ensina aos homens a serem vencedores. Eles não admitem que as mulheres terminem um relacionamento. Não é suficiente ter a Lei Maria da Penha (2006) e a Lei do feminicídio (2015), é necessário exigir o cumprimento dessas leis. Cito três dos muitos casos violentos ocorridos recentemente para demonstrar como crimes contra as mulheres são banalizados.
No Rio de Janeiro, Geilza da Silva Alves, 51, terminou um relacionamento e por isso o ex-namorado invadiu sua casa e atirou nela. Ela e um dos filhos morreram, o outro ficou ferido. O assassino se suicidou. Outro crime semelhante ocorreu em Angra dos Reis (RJ), em menos de 24 horas. Lucimar Freitas da Silva Vasconcelos, 46, e sua filha, foram encontradas mortas a facadas em casa. O ex-namorado de Lucimar foi preso em flagrante.
A percentagem de homicídios de mulheres dentro de suas casas é mais que o dobro quando comparada aos homens, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2018, 30,4% dos homicídios de mulheres ocorreram em seus domicílios. O instituto observou que elas têm poucas opções de atendimento especializado. Em 2019, apenas 7,5% dos municípios tinham delegacia para atender mulheres vítimas de violências. O Dossiê Mulher, do Instituto de Segurança Pública (ISP), aponta que em 2020, só no Estado do RJ, foram registradas 78 mortes enquadradas no crime de feminicídio, sendo que cerca 20% delas foram assassinadas na presença dos filhos.
O último caso diz muito sobre como as mulheres são tratadas com desprezo, mesmo depois de assassinadas. Em Manaus (AM), um funcionário do bar “Porão do Alemão” compartilhou nas redes sociais uma foto de um cliente “fantasiado” com a camisa do flamengo com o nome “Bruno” e segurando um saco de lixo onde estava escrito “Eliza”. A imagem é de uma violência macabra, pois faz referência ao caso Eliza Samúdio, 25, assassinada em 2010. Elisa era mãe do filho do goleiro Bruno, que não reconheceu a paternidade. Uma das versões dadas é que o corpo dela foi esquartejado e colocado em um saco de lixo.
A mensagem transmitida é que não basta assassinar e desaparecer com seu corpo, tem que depreciar a imagem da vítima, jogá-la na vala comum da chacota. A empatia nos leva a nos colocarmos no lugar da família de Eliza. Além da tristeza de viverem mais essa violência, ainda têm que lidar com a falta de resposta do Judiciário, que liberou o goleiro para voltar a jogar, mesmo devendo R$ 3 milhões em pensão alimentícia. No Artigo 287 do Código Penal está previsto que “fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime, a pena é de detenção, de três a seis meses, ou multa”.
Esperamos que os envolvidos respondam juridicamente por esses crimes que ultrapassam os limites da civilidade.
Juliana Brizola é deputada estadual (PDT/RS), graduada em Direito e Mestra em Ciências Criminais.
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