opina30junARTE KIKO

O Brasil tem passado por tempos difíceis no qual a segurança jurídica nos mais variados assuntos tem sido colocada em xeque. Os últimos episódios com meninas menores de idade, com gravidez oriunda de estupro é um exemplo disso, pois o aborto legal, termo usado pela medicina, é o procedimento de interrupção de gestação autorizado pela legislação brasileira e que deve ser oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Isso é o que determina a lei e não cabe questionamentos, principalmente por motivações ideológicas ou religiosas. Lei deve ser respeitada e nesse caso envolve crianças vítimas da violência.
Toda essa discussão veio à tona por conta da menor de 11 anos de idade, vítima de estupro e que, junto com a mãe, decidiu não seguir com a gravidez. Surpreendentemente a justiça que deveria ser o suporte maior para essa família foi, pelo contrário, o principal empecilho, tendo uma conduta inapropriada na qual constrangeu a criança e a mãe no intuito de convencê-las a seguir com a gestação. Pior ainda, as afastou por dias numa atitude pra lá de questionável e totalmente fora do que a lei determina.
O procedimento nesses casos de gravidez decorrente de estupro não exige autorização judicial. As outras duas causas que também tem essa permissão é quando há risco de vida da gestante ou quanto há um diagnóstico de anencefalia do feto.
Mas vale ressaltar que as intervenções autorizadas são a minoria. De acordo com registros hospitalares do SUS, no ano passado foram registradas mais de 1.500 internações relacionadas a abortos na faixa etária dos 10 aos 14 anos. Apenas 131 delas (8%) ocorreram em conformidade com a lei. Isto significa que o restante, mais de 90%, foi por abortos espontâneos ou induzidos fora de hospitais, um risco maior ainda vivido por essas crianças em abortos clandestinos.
No caso dessa menina de 11 anos, a alegação do Hospital que se negou a fazer o aborto foi quanto ao prazo da gestação, porém não há prazo fixado no Código Penal. A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) ratifica que nos casos já previstos em lei não há necessidade de solicitar autorização judicial para o tratamento e o atraso pode colocar em risco a saúde das meninas ou mulheres, além de colocar o profissional de saúde em desnecessária insegurança jurídica.
A mentalidade de alguns membros do judiciário, retardando o procedimento, acaba por agredir pela segunda vez uma vítima já massacrada violentamente, física e psicologicamente, por um ato tão cruel.
Essa realidade deve mudar no país e as leis devem ser respeitadas. Criança não é mãe e nem pode ser.

*Marcos Espínola é advogado criminalista e especialista em segurança pública