Priscila Seixas, gestora da Burburinho Cultural e doutoranda em Mídia e Cotidiano na UFFPedro Vilela/ Divulgação

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Priscila Seixas Gestora da Burburinho Cultural e doutoranda em Mídia e Cotidiano na UFF
Talvez o sobrenome campeão em documentos, publicações, relatórios e impressos de Cultura nos últimos 100 anos seja o de Sérgio Paulo Rouanet, ex-Ministro da Cultura, diplomata, antropólogo e professor carioca morto em 3 de julho próximo passado, aos 88 anos. Em 1991, o sobrenome – herdado do pai – tornou-se conhecido por batizar a principal ferramenta para realização de Arte por toda parte, a Lei Rouanet. 
Curiosamente, a morte do intelectual ocorreu em semana decisiva para os trabalhadores da Economia da Cultura. A cadeia produtiva da Cultura alinhou-se a congressistas que derrubaram na Câmara e no Senado veto às Leis Aldir Blanc 2 e Paulo Gustavo. De Norte a Sul, artistas e técnicos do país inteiro celebraram a nova vitória no que parece ter se tornado um campo de batalha desde 2018, a produção cultural, leia-se edição de livros, roteiros, audiovisual, projetos de música, peças de artes cênicas, artes visuais, tudo imbricado com a educação, enfim.
Em Brasília, na semana que passou, duas formas de investir em Cultura entraram na pauta do dia: o fomento direto e o fomento indireto. De um lado, a Lei Federal de Incentivo à Cultura, nº 8.313, do dia 23 de dezembro de 1991, justamente a Lei Rouanet, que incentiva o patrocínio às artes através de isenção fiscal de empresas; de outro, a Lei da Emergência Cultural ou Lei Aldir Blanc (LAB), nº 14.017, de 29 de junho de 2020, criada na conjuntura emergencial da pandemia para diminuir o desemprego provocado pelo isolamento social, algo estimado em 900 mil trabalhadores, segundo o Ipea.
Através da LAB, o governo federal destinou R$ 3 bilhões do Fundo Nacional de Cultura para Estados e Municípios com o único e obrigatório objetivo: abrir editais públicos para o repasse de verba ao trabalho de quem faz e vive estritamente do setor. Motivo de dissenso. Pano de fundo da guerra campal de ideias e votos, uma narrativa cruel. Em 2016 foi instaurada a CPI da Lei Rouanet, estopim da proliferação e um processo de midiatização manipulada incomum que difamou classe e mercado. Sustentar-se com o ofício de artista via Lei Rouanet se tornou sinônimo de malandragem, quase estelionato, para aqueles que nutrem-se de informação via grupos de whatsapp, sem acesso a informação séria sobre a Economia que mobiliza e
emprega mais de 4 milhões de técnicos, gestores, artistas, autores, um elenco grandioso de gente séria, comprometida com a Arte, a Educação, o acesso ao conhecimento e muito mais. É urgente a necessidade de neutralizar a disputa e mirar na construção de uma política de Estado continuada, ampla e estruturada. Cabe sertanejo universitário, música rural de tradição, samba-raiz ou não, teatro de vanguarda ou clássico, o arco é inestimável para que o público, da plateia ou da poltrona, assistindo um filme ou lendo um livro, seja capaz de ter pensamento crítico menos para ofender o que desconhece e mais para apropriar-se com orgulho do que a Cultura do Brasil significa. Um futuro que Rouanet certamente legislaria a favor.
*Priscila Seixas é gestora da Burburinho Cultural e doutoranda em Mídia e Cotidiano na UFF