Paulo Velasco é coordenador do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UERJ (PPGRI-UERJ)divulgação

A guerra na Ucrânia está completando cinco meses e a perspectiva de uma paz negociada continua distante, ofuscada por uma realidade de violência e abusos que não dá trégua e impede prognósticos animadores. A concentração dos esforços militares russos na região do Donbass, com o propósito de controlá-la por completo, é combinada com a continuidade dos ataques a outras regiões, como a província de Odessa ou a própria capital Kiev.
Do lado ucraniano, a resistência continua firme, apesar do lento avanço das posições russas no leste do país, e se viu reforçado pelo recebimento de armamento ocidental com maior impacto, como o sistema de foguetes norte-americano HIMARS M142. A retórica do governo Zelenski continua intacta, reafirmando que não cederá qualquer território para a Rússia e clamando os países ocidentais a reforçarem as sanções contra os russos, bem como o volume de ajuda econômica e militar para a Ucrânia.
O início do processo de adesão ucraniana à União Europeia, que pode e deve se estender por anos, também é nova variável na geopolítica europeia, embora o Kremlin tenha aparentemente dado ao fato pouquíssima importância. Em paralelo, Suécia e Finlândia, países com longo histórico de neutralidade, acabaram por assinar protocolos de acesso à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que, após ratificados por todos os trinta membros e com a consequente efetivação das novas adesões, praticamente dobrará a extensão das fronteiras da aliança militar com a Rússia. Considerando que o temor da expansão do bloco europeu e da OTAN para o entorno regional russo está na raiz da própria invasão da Ucrânia e de outra ações russas anteriores, como na Georgia em 2008, é inevitável enxergar esses movimentos como
complicadores adicionais nas relações entre Moscou e o Ocidente.
Crucificado como criminoso de guerra em boa parte dos países ocidentais, Putin mantém intensa agenda de contatos e negociações com outros países, tendo participado ativamente da XIV Cúpula do BRICS organizada pela China de forma virtual no mês passado. Durante esse encontro, a Rússia esteve presente no Diálogo de Alto Nível sobre Desenvolvimento Global, integrado por líderes de países diversos como Argélia, Argentina, Camboja, Egito, Etiópia, Fiji, Indonésia, Irã, Cazaquistão, Malásia, Senegal, Tailândia e Uzbequistão. Mais recentemente, Putin fez viagem oficial ao Irã, tendo enfatizado o avanço das trocas
comerciais bilaterais e o compartilhamento de interesses em matéria de segurança internacional, notadamente com referência à guerra na Síria.
Dentre os efeitos econômicos da guerra, a ONU e o Programa Mundial de Alimentos enfatizam os riscos de avanço da fome e da insegurança alimentar no mundo, notadamente pela redução na oferta de grãos, reconhecendo-se que Rússia e Ucrânia respondem por cerca de 30% das exportações de trigo no mundo, fundamental para países da África e do Oriente Médio. Nos últimos dias, mediação feita pela Turquia permitiu entendimento entre Moscou e Kiev na matéria, e levará ao estabelecimento de corredores seguros para o escoamento de milhões de toneladas de grãos a partir de portos no Mar Negro, agora sob controle russo. Resta torcer pela implementação do acerto que, embora não altere o curso da guerra ou a dinâmica de violência, serve para aliviar a escassez e o custo dos alimentos para centenas de milhões pessoas impactadas por um conflito distante e que parece muito longe do fim.
*Paulo Velasco é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Uerj