Francisco Carlos Teixeira da Silva é historiador/UFRJ/UFJF Divulgação

Em 1822, no 7 de setembro, após inúmeras idas e vindas na tentativa de apaziguar o primeiro Parlamento eleito do Reino de Portugal – as chamadas “cortes” – o príncipe da dinastia dos Bragança, filho do Rei de Portugal, João VI, proclamava a Independência do Brasil. Eram, então, rompidos os laços políticos entre o Reino europeu e o Estado do Brasil. Desde 1816, o Brasil já deixara de ser uma colônia para se transformar em um Estado associado a Portugal (e Algarves e as colônias na África e Ásia) sob a denominação de “Reino Unido”. Em tal condição, o “Estado do Brasil” era, desde então, um Estado em pé de igualdade com os demais, embora governado pela mesma dinastia que governava Portugal.
Jurídica e politicamente a colônia do Brasil (e do Grão-Pará, englobando o Meio-Norte e a Amazônia) se transformara em Estado, no entanto, o regime político não se alterara, continuando o novo Estado (unido com Portugal sob tal diploma de “Reino Unido”) a ser uma monarquia absoluta e hereditária. O rei – e em seu lugar o regente – continuam a ser monarcas absolutos sem nenhuma obrigação perante os tribunais superiores e, claro, um poder que não era limitado por nenhuma Constituição.
Tudo isso muda dramaticamente em 1820 quando, a partir da cidade do Porto – importante centro comercial do país – uma revolução eclode no Reino. Os revolucionários portugueses, inspirados nas Revoluções de Cádiz, na Espanha, e de Nápoles, na futura Itália, convocam as “cortes” – ou seja, um Parlamento eleito – e adotam previamente o modelo revolucionário liberal de Cádiz. O rei deveria responder perante o povo, representado nas “Cortes” e prestar conta de seus atos. A primeira, e mais importante decisão dos parlamentares, foi a exigência que D. João VI retornasse a Portugal.
A continuada presença de D. João VI no Rio de Janeiro, então cabeça e capital do Reino Unido, era um desafio permanente ao constitucionalismo liberal. No Brasil, o rei poderia reunir recursos financeiros para manter suas tropas e naus de forma autônoma e, mesmo, ameaçar um retorno “de força” ao absolutismo. Assim, o rei em Portugal, estaria próximo do Parlamento e vulnerável às exigências das “Cortes”. Iniciava-se, para Portugal um longo processo de modernização, de liquidação do “Antigo Regime” – ou seja, uma sociedade baseada nos privilégios da nobreza - e do absolutismo. Portanto, o retorno de D. João era indispensável às mudanças políticas e sociais em curso.
As notícias da Revolução do Porto causaram furor no Rio de Janeiro – como também na Bahia, Pernambuco e São Paulo. O liberalismo brasileiro era, desde muito, constitucionalista e nutria desconfiança aos poderes absolutistas da monarquia. A pressão do parlamento obriga D. João a retornar no ano seguinte, em 1821, a Portugal. Pedro, seu herdeiro, permanece no Brasil e inicia um movimento complexo e, mesmo, contraditório. De um lado, mostra-se hostil ao parlamento convocado em Lisboa, por outro lado, ameaça impor autonomia completa do Estado do Brasil, rompendo com o “Reino Unido”.
Os movimentos do príncipe Pedro envolvem um consenso momentâneo e precário reunindo absolutistas fiéis à dinastia de Bragança e liberais nacionais contrários às exigências das “Cortes”. Antiliberal perante o Parlamento eleito, nacional em face das exigências da população brasileira, Pedro toma decisões ousadas: em 9 de janeiro de 1822, o príncipe regente, a quem as “Cortes” exigiam o retorno imediato a Portugal, temendo exatamente o uso do Brasil como trincheira contra o constitucionalismo lusitano, declara solenemente na sacada do Paço Imperial, no Rio de Janeiro, que iria desobedecer ao Parlamento de Lisboa. O príncipe, apoiado por forte grupo de brasileiros, que organiza um apelo pela permanência do regente, atende ao primeiro documento público autônomo da sociedade civil em formação: são oito mil assinaturas clamando pelo “Fico” do regente.
Inicia-se, assim, um processo de rompimento entre as partes do Reino Unido. As pressões de Portugal se intensificam: as “Cortes” exigem a supressão de inúmeros avanços e direitos que os brasileiros, sob a forma de Reino Unido, haviam alcançado. As contradições se cruzam: o príncipe liberal e nacional no Brasil mostra-se anticonstitucional em face dos parlamentares em Lisboa; enquanto isso, as “Cortes” liberais e constitucionais no Reino, mostram-se regressistas e colonialistas em relação ao Brasil.
A tensão é aprofundada pelas intrigas diplomáticas, em especial no Paço da Quinta da Boa Vista, onde a princesa imperial, Leopoldina de Habsburgo, incentiva o rompimento dos laços do Reino Unido e a criação de “império” tropical. Filha de um imperador, a princesa austríaca, criada num clima conservador e, mesmo, reacionário marcado pelo Congresso de Viena de 1815, não via com boas olhos uma revolução de liberais como a que se apropriara do rei D. João em Lisboa. O príncipe Metternich, regente da Áustria-Hungria, superconservador, apoia a criação de um “Império tropical” como um instrumento de poder e prestígio da política externa da própria monarquia Habsburgo na Europa.
Num sentido contrário, a Grã-Bretanha e a nova República dos Estados Unidos, apoiam a rebelião do príncipe como uma forma de limitar o poder das Grandes Potências nas Américas, o que acabaria de confluir para a “Doutrina Monroe”, de 1823. A independência do Brasil, e o reconhecimento das novas repúblicas latino-americanas, emergiam como a possibilidade de novos mercados e a supressão definitiva do chamado “Pacto Colonial”, que estabelecia a primazia comercial das metrópoles europeias.
Tudo caminha para o 7 de setembro de 1822, uma grande crise nas relações internacionais e nó de contradições políticas, ideológicas e dinásticas da época. Para o príncipe Pedro a independência não era um passo final, definitivo, nas relações entre o Reino e o Estado do Brasil. Desde logo, e sob a proteção do rei de Portugal, a separação seria política, porém não seria dinástica. Tanto no Rio de Janeiro quanto em Lisboa seriam os Bragança os príncipes reinantes.
Com a morte de D. João VI – que afinal se acelerou em 1826 através do envenenamento do próprio Rei – o trono de Portugal reverteria, automaticamente, para o príncipe Pedro, que então conseguiria por uma “união dinástica” reunir, de novo, as partes políticas do Reino Unido. Se, tal perspectiva agradava a vários setores liberais, porém colonialistas, de Portugal, surgia como uma grande ameaça para os liberais, porém nacionais, brasileiros.
Com o 7 de setembro de 1822, o império nos trópicos torna-se realidade e após as festas de Aclamação e Coroação do novo monarca – que aceita o pai, o Rei João, tenha o título perpétuo de “Rei do Brasil” – emerge a questão de dotar o novo império com uma constituição. E então, ainda uma vez, emergem as contradições entre as tendências absolutistas e o liberalismo-nacional. Pedro não concorda com as propostas dos Constituintes reunidos em Assembleia no Prédio da Cadeia Velha, no Rio de Janeiro, em especial sobre a liberdade de expressão e de imprensa, a sucessão imperial e a questão candente da acumulação de uma “Coroa estrangeira”, ou seja, o próprio projeto de (re)união do antigo Reino Unido.
Em reação, na noite de 11 para 12 de novembro de 1823, sob ordens do jovem Imperador, conhecida como a “Noite da Agonia”, as tropas imperiais dissolvem a Assembleia Nacional Constituinte. Consumava-se, assim, a Independência e, ao mesmo tempo, o primeiro golpe de Estado da História do Brasil.