Era quase o despedir do dia. O sol já se preparava para o descanso. O espetáculo da mistura da praia, céu, vermelhos em vários tons, era grandioso.Eu estava olhando, apenas. E, olhando, vi mais.
Era quase o despedir do dia. O sol já se preparava para o descanso. O espetáculo da mistura da praia, céu, vermelhos em vários tons, era grandioso.Eu estava olhando, apenas. E, olhando, vi mais.
Na calçada em frente ao mar, Rogério vendia correntes, pulseiras e outras pequenas peças de artesanato.Sei disso porque conversei com ele. Sei que a mulher o ajuda também. Mas quem vende é ele, enquanto ela dá conta de cuidar dos três filhos do casal. Ganha pouco o Rogério, mas sorri sem economias.
E, falando em economias, vi um homem vestido de arrogância e de um relógio caro e de um tênis caro e de óculos, também, caro, estacionado em frente ao tapete largo onde Rogério expunha a sua arte.
Sou prestador de atenção. A conversa foi sem muita intenção de proximidade. "Quanto custa essa pulseira?", perguntou o apressado homem. Rogério respondeu: "10 reais, senhor". "Por quanto você faz?". "Não entendi, senhor". "O desconto, rapaz, quero um desconto".
Rogério, então, concordou devolvendo o pedido: "O senhor pode pagar quanto?". "7 reais e eu levo". "Pois não, senhor". O homem pediu a um segurança que desse os 10 reais e aguardou o troco. E, depois, disse rindo: "As pessoas vendo eu usar essa pulseira não vão imaginar que seja uma porcaria, vão achar que é de alguma joalheria cara". Os seguranças riram também.
Também riu o Rogério, por gentileza, talvez, por insegurança, não sei. Ou até por não ter entendido a deselegância do homem.
Eu não ri. Não gosto dos que gostam de diminuir os outros. Ou o trabalho dos outros.Fiquei pensando na diferença que 3 reais faz àquele homem. Fiquei pensando nas ausências de gentilezas de seus modos. Nenhum "bom dia", nenhum "muito obrigado", nenhum "que trabalho bonito, o seu".
Rogério se levantou da calçada para entregar a pulseira. Tentou desdizer a frieza e colocar no pulso, ao lado do caro relógio que Rogério nem sonha em ter. Ele pegou rapidamente e deu essa função ao segurança.Toda essa cena foi rápida. Mas ficou em mim. Os mundos tão diferentes em um mesmo mundo.
Sou dos que creditam ao amor um movimento de encontro, de derrubada de barreiras, de olhares entre iguais. Não importa a diferença de renda, de estilo de vida, importa a indiferença frente ao outro. Comprei várias pulseiras do Rogério. E não pedi desconto. Fiquei sabendo sobre Vivian, sua mulher. E também o nome dos filhos: Pedro, Paulo e José. Falou do gosto de ser artista com as mãos e do privilégio de ver sempre o pôr do sol na praia. Disse dos sonhos de que os filhos sejam bons. Apenas isso. Teme as violências do mundo e as perversidades que levam embora a alegria.
Eu quis saber mais de Vivian e ele não desconversou, "É a mulher mais linda do mundo".Eu disse que era o olhar da paixão. Ele ampliou, "Paixão foi no começo, agora é amor, e amor não termina nunca".
Posso estar julgando quem não conheço, apenas pelos segundos que vi. Mas desconfio que o comprador, cujo nome não sei, não tem essa paz tão bonita de Rogério que, nesse entardecer, iluminou minha alma mais do que o sol elegantemente partindo. Talvez o sol concorde comigo. A disposição para a bondade também reflete na humanidade a beleza que encanta.
Imaginador que sou de vidas, fiquei vasculhando os cenários dos dois. E cantando em mim a canção da simplicidade. Da simplicidade onde moram os que caminham nas calçadas dos encontros. Cena linda de se imaginar Rogério abrindo a porta, beijando os filhos, a mulher e um cachorro de rua que eles adotaram e explicando que ali é o endereço do amor.
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