Francisco Carlos Teixeira da Silva é historiador/UFRJ/UFJF Divulgação

Em 1945, com a destruição e mortes causadas pelas bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, os cientistas nucleares da Universidade de Chicago criaram o “Relógio do Fim do Mundo”. A partir de uma ideia de Albert Einstein, dezenas de cientistas resolveram demonstrar, sob a forma de um relógio, que o mundo caminhava para a “Meia-Noite”. Era uma metáfora do tempo restante da Humanidade para evitar uma guerra nuclear que aniquilaria a Humanidade.
De 1945 até 1949 foram os EUA o único país do mundo a possuir armamento nuclear. O uso das armas nucleares seria efetivo mesmo contra países que não possuíssem tal armamento, mas estivessem em situação, graças a Forças Armadas convencionais – isso é, sem armamento nuclear - de ameaçar os note-americanos. No entanto, 1949, a União Soviética detonou sua primeira arma nuclear: o “Projeto Primeiro Relâmpago” com pleno sucesso.
Desde então, ambas as potências entraram numa intensa corrida armamentista em busca da superioridade. Depois da Bomba Atômica (1945, 1949), surgiram artefatos cada vez mais mortíferos e poderosos: a Bomba H (de hidrogênio, Operação Ivy, 1952, Estados Unidos)) e a Bomba de Nêutrons (Estados Unidos, 1963), denominada com humor macabro como a “bomba capitalista”, posto que sua radiação não destruía propriedades, mas matava cruelmente pessoas.
A “Corrida Espacial” tornou-se, também, um elemento central da “Corrida Armamentista” entre as duas superpotências. A lógica residia na constatação que um veículo espacial capaz de colocar um homem em órbita poderia colocar um artefato nuclear em qualquer ponto do planeta. Em 1961, a URSS saiu na frente: Yuri Gagarin, um jovem oficial de 27 anos, voou em órbita da Terra com o veículo Vostok 1. Do espaço Gagarin declarou: “A Terra é azul!”. A “Corrida Espacial” teria uma culminância com a viagem da nave norte-americana Apolo 11. Neil Armstrong, em 1969, foi o primeiro homem a pisar na Lua.
Ao lado dos incríveis progressos que a exploração do átomo e do espaço trouxeram para a Humanidade – desde a Medicina Nuclear até a Internet, passando pela engenharia de metais e de alimentos – criaram-se as condições para a destruição da vida na Terra: “Condição MAD”, abreviatura que corresponde a “Mútua Destruição Assegurada” – “Madness”, loucura – em inglês.
Durante toda a Guerra Fria – o enfrentamento entre EUA e URSS, terminado em 1991 com o fim da União Soviética – o mundo viveu à sombra da destruição total. Daí a marcação dos minutos, por vezes segundos, em que estivemos à beira da destruição atômica. Cada uma das potências chegaram a ter mais 20 mil ogivas nucleares, num total de 70 mil armas em todo o mundo. Na década de 1970 iniciaram-se negociações de redução do arsenal nuclear. Os EUA passaram a ter 1.600 armas ativas e 6.500 em “estoque” e a Rússia, sucessora da URSS, as mesmas 1.600 e 6.850 respectivamente.
Além disso, os EUA possuem uma rede de dispositivos nucleares, pronto para uso, fora do seu território: 15 bombas na Bélgica, 15 bombas na Alemanha, 35 bombas na Itália, 15 bombas na Holanda e 20 em Incirlik, na Turquia, próximo da fronteira russa. O país possui cerca de 11 “Task Forces”, combinado de poder aeronaval, com porta-aviões, submarinos nucleares e escoltas, dispostos em todos os oceanos do mundo com mísseis dotadas de ogivas nucleares.
Por isso, o “Relógio do Fim do Mundo” nunca se afastou do horário de 23:50 horas até o fim da Humanidade. Ou seja, vivemos, ainda, sob o “Equilíbrio do Terror”, faltando alguns minutos para a “Meia-Noite final da Humanidade”. Com o fim da Guerra Fria e os tratados de limitação de testes, posse e uso das armas nucleares houve um “retardo” do relógio para 23:45 horas. Infelizmente os tratados não foram ratificados pelo Congresso dos EUA e acabaram denunciados em 2002 pelo Governo George Bush.
A maioria das armas nucleares norte-americanas permaneceram na Europa, muito próximo do território russo. As ex-repúblicas soviéticas foram incorporadas ao sistema de defesa da OTAN, organização militar ocidental, contrariando acordos e declarações - infelizmente não-escritas – de ambas as superpotências. A Guerra da Ucrânia, iniciada em 2021, é um resultado direito da expansão das bases militares da OTAN em direção às fronteiras russas e, de forma clara, do fracasso da política de controle das armas nucleares.
Ao mesmo tempo, a Rússia desenvolveu uma nova classe de armas, ditas “supersônicas” (mísseis voando até dez vezes a velocidade do som) que colocava os EUA numa situação de inferioridade. A insistência da OTAN e dos EUA em englobar ex-repúblicas da URSS em seu sistema de defesa decorre da manutenção do clima de enfrentamento entre as superpotências, que muitos chamam de Guerra Fria 0.2.
A condução da Guerra na Ucrânia, com a transferência de uma imensa panóplia militar ocidental, e bilhões de dólares, aos ucranianos, treinados na Inglaterra e na Holanda, foi entendida como ameaça contra segurança da própria Rússia, que havia planejado uma guerra rápida e quase sem baixas civis e, mesmo, militares. Em setembro de 2022 o ex-presidente russo, e influente membro da Duma/Parlamento russo, havia advertido que qualquer ataque ao território russo seria compreendido como uma ameaça a soberania e a existência do Estado. Nestas condições – numa formulação doutrinária de Defesa – os russos estariam em condições de usar as armas atômicas, táticas ou estratégicas, para garantir a sobrevivência do Estado Nacional russo.
A novidade veio em 27 de setembro, quando os gasodutos Nord Stream I e II foram danificados seriamente e, escala em violência, quando, em 8 de outubro, a Ponte de Kerch, ponte rodoferroviária de 18 quilômetros, é também atacada, provando intensa represália militar russa. Os cientistas percebem, então, que o “Relógio do Fim do Mundo” bate acelerado, agora faltado apenas 100 segundos, 16 minutos para o Juízo Final atômico.
Francisco Carlos Teixeira da Silva é professor de História Moderna e Contemporânea/UFRJ e autor com Karl Schurster do livro 'Passageiros da Tempestade'