Paulo Velasco Júnior: Oito meses de uma guerra que Putin não consegue vencer
Cada vez mais pressionado internamente, o comandante do Kremlin tem lançado mão de cartadas arriscadas para demonstrar força, como a realização de referendos nas regiões estratégicas de Donetsk, Luhansk, Zaporiyia e Kherson
Paulo Velasco é coordenador do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UERJ (PPGRI-UERJ) - divulgação
Paulo Velasco é coordenador do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UERJ (PPGRI-UERJ)divulgação
A guerra na Ucrânia já completou oito meses e não mais atrai a mesma atenção da imprensa ocidental, cansada de acompanhar um conflito que parece estar bem longe do fim, com os governos russo e ucraniano mantendo-se irredutíveis em suas posições, sem qualquer inclinação a ceder às pressões da outra parte ou a buscar uma saída negociada. Desde agosto, a contraofensiva ucraniana tem significado duro revés às tropas russas, com recuperação importante de territórios no leste do país e impacto duro sobre o ânimo e moral dos combatentes de Putin.
Cada vez mais pressionado internamente, o comandante do Kremlin tem lançado mão de cartadas arriscadas para demonstrar força, como a realização de referendos nas regiões estratégicas de Donetsk, Luhansk, Zaporiyia e Kherson, para supostamente dar ao povo dessas áreas o direito de escolher sobre o desejo de serem anexadas ao território russo. Naturalmente, e tal qual ocorreu em 2014 na Crimeia, venceu por ampla margem o apoio à anexação, efetivada em ato oficial pelo presidente russo poucas horas depois.
O Ocidente, por óbvio, criticou a Rússia, classificando como ilegais os referendos realizados, posição que também prevaleceu na Assembleia Geral da ONU, onde três quartos dos membros apoiaram resolução em defesa da soberania e integridade territorial da Ucrânia, condenando a anexação ilegal dos territórios. Para o Kremlin, contudo, pouco importa essa maioria contrária, contando muito mais a abstenção de China e Índia na votação, países de grande peso que tem reiteradamente se distanciado das resoluções críticas a Moscou desde o início da guerra.
A anexação dos territórios ucranianos pela Rússia, embora desprovida de efeitos jurídicos concretos, permitirá ao Kremlin alegar legítima defesa contra qualquer incursão ou ataque ucraniano naquelas áreas, podendo lançar mão de ofensivas militares mais duras. O próprio presidente russo já afirmou que poderia usar armamento nuclear para responder a eventuais agressões contra seu território. Blefe ou não, trata-se de alerta que preocupa os países ocidentais e coloca em dúvida algumas das “linhas vermelhas” que pareciam existir.
A explosão de parte da ponte sobre o estreito de Kersch, que liga o território continental russo à península da Crimeia, atribuída pelo Kremlin aos ucranianos, que preferiram evitar qualquer reivindicação formal do ato, também elevou a temperatura do conflito nas últimas semanas, tendo sido usada como justificativa para os duros bombardeios russos contra diversas cidades do país, inclusive Kiev. Depois de vários meses, civis ucranianos na capital tiveram que se refugiar novamente em estações de metrô para escapar aos mísseis russos.
A esta altura, e às portas do rigoroso inverno ucraniano, a Rússia aposta suas fichas na destruição da infraestrutura energética e civil da Ucrânia, causando com seus ataques reiterados cortes de luz e fornecimento de eletricidade. As tropas comandadas por Zelensky, por sua vez, têm mantido as ações voltadas para a recuperação de território, já ameaçando retomar o controle de pelo menos parte da cidade de Kherson, capital da região de mesmo nome posicionada em área geopoliticamente estratégica no acesso terrestre à Península da Crimeia.
Trata-se também da primeira grande cidade ucraniana ocupada pelos russos, ainda no início da ofensiva militar. Perder Kherson poderia significar o definitivo golpe sobre a já abalada confiança das tropas russas e para Putin, possivelmente, a certeza de se meteu em uma guerra que não poderá vencer.
Paulo Velasco Júnior é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Uerj
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