Economista Raul VellosoDivulgação/Inae

Vazou que o governo estaria preparando a implementação do primeiro dos três “d”, das diretrizes que o ministro da Economia havia anunciado no início da gestão, e que envolveriam: 1 - desvinculação; 2 - descentralização; e 3 -desindexação dos gastos federais.

Sobre a primeira, chegou bem atrasado, pois, lá em 1994, nas proximidades do lançamento do Plano Real, eu mesmo havia convencido o ministro Fernando Henrique Cardoso, então na Fazenda, de que o governo deveria submeter emenda constitucional desvinculando 20% das receitas totais dos tributos federais para constituir um fundo de “desvinculação de receitas”, que permitiria a reutilização desse expressivo montante para quaisquer finalidades não contempladas adequadamente pela costumeira distribuição orçamentária.

Isso salvou o plano, pois a equipe que o estava criando condicionava seu lançamento a alguma flexibilização relevante do uso das receitas públicas, inclusive para o pagamento de parcela do serviço da dívida, o sonho dourado dos mercados financeiros. O plano saiu e deu certo.

Descentralizar gastos em grau relevante é complicado, porque estados e municípios têm muito pouca margem para absorver aumentos expressivos de gastos, privilégio apenas da União, que emite moeda. Quanto a desindexar o orçamento federal, o ministro deve ter entendido que isso lhe permitiria cortar gastos implicitamente em montante expressivo, bastando não os corrigir pela inflação decorrida, como no caso dos gastos ligados ao salário-mínimo, que dependem crucialmente da caneta federal, e, depois, poder mudar fatia expressiva do orçamento a seu bel prazer, junto com aliados no Congresso.
Se atualizássemos os gastos da União ligados ao mínimo em 2017, a preços de 2022, teríamos cerca de R$ 332,1 bi a preços de hoje, ou R$ 23,8 bi de corte a compensar em outro canto, com inflação de 7,2% neste ano. O valor subiria a R$ 64,8 bi, se adicionássemos os benefícios do INSS acima de um mínimo na mesma conta. Essa parcela mais do que cobriria gastos outros como os do orçamento secreto (com previsão de R$ 38 bi em 2023) mais determinados itens que foram acrescidos não tanto por sua relevância, mas para turbinar a campanha do presidente.

Só que seriam os beneficiários de parcelas iguais a um mínimo e os demais aposentados, onde o conjunto envolvido incluiria algo que estimei em mais de metade da população, quem pagaria a salgada conta.

Concluo afirmando que em vez de focar o ajuste nesse grupo, os governos deveriam equacionar o gigantesco déficit da previdência dos servidores públicos, obrigação que já está na Carta Magna e com passo-a-passo a longo prazo já estabelecido e aceito, mas que não é cumprido, como tenho insistido. É preciso promover combinação de reformas de regras, aporte de ativos a fundos de previdência e outras providências para fechar o buraco sem penalizar os menos favorecidos.
Raul Velloso é consultor econômico