Rio - "Minha irmã chama pela filha, quer saber se ela está bem. Como vamos dizer que a menina está morta? Temos que mentir, pois ela está com um cateter e o batimento cardíaco chega a 180. Pode enfartar. Dói ao saber que não pôde enterrar a própria filha”. O desabafo é de Andréa Tavares, tia de Karen Nicácio de Melo, de 13 anos, uma das vítimas da explosão, ocorrida terça-feira, no bloco 38 do conjunto habitacional Fazenda Botafogo, em Coelho Neto, na Zona Norte do Rio.
Sob forte comoção, ela, e outras quatro pessoas foram sepultadas ontem no Cemitério de Irajá. A mãe da menina, Jociara dos Santos Nicácio, 33, é a única vítima que ainda está internada no Hospital Getúlio Vargas, na Penha. “Minha irmã, além de perder a filha, não deu o último adeus”, lamentou Andréa Tavares, grávida de sete meses de uma menina. Outros oito feridos já tiveram alta.
Assim como Karen, o casal Rosane Oliveira e Francisco Oliveira, ambos de 55 anos, também morreram no local, enquanto José dos Santos e Maria de Lourdes dos Santos faleceram a caminho do hospital. Bastante abalado, Luiz Guilherme Pereira de Oliveira, filho de Rosane e Francisco, mortos na explosão, criticou a Companhia Estadual de Gás (CEG), que, segundo ele, está ‘preocupada só em saber quem está certo ou errado’. “O local da explosão virou cenário de guerra. Parece que estouraram uma bomba. Não sobrou nada. Troquei de apartamento com meus pais para que não subissem escadas e acontece isso”, disse, transtornado.
O prédio está interditado por tempo indeterminado. Ontem, moradores puderam entrar nas casas para buscar pertences. Atrás de janelas quebradas, paredes rachadas e entre escombros, eles tentavam voltar à rotina ainda com medo de nova explosão. “Só sobrou a geladeira e o meu passarinho trinca-ferro. Fui arremessado no teto com o impacto. O meu filho despencou na tubulação de esgoto e a minha esposa ficou soterrada”, disse o professor de jiu-jítsu Eziel Oliveira, 47 anos. Ele e 32 famílias pegaram auxílio de R$ 1.000 dado pela prefeitura até que a reforma do prédio, paga pelo município, seja concluída. Duas famílias estão em hotéis pagos pela prefeitura. As demais foram acolhidos por parentes.
Segundo os moradores, o vazamento é antigo. “Acordamos no susto, só tive tempo de pegar as crianças e ir para rua. O cheiro de gás é muito forte há tempos. A gente chamava, eles vinham e diziam que estava tudo bem”, disse a manicure Luciana Conceição, de 39 anos.
O delegado Fábio Pacífico, titular da 40ª DP (Honório Gurgel) afirmou que vai investigar se houve negligência da CEG. “A perícia, somada aos depoimentos, dará um norte que vamos seguir. Se ficar caracterizado que a explosão foi decorrente de vazamento de gás todo morador vai ter direito à reparação cabível”, informou. Outra hipótese seria o acúmulo de gás metano, derivado de esgoto, no local.
Ontem, técnicos da CEG testaram todos os ramais de distribuição de gás que abastecem o conjunto habitacional. Segundo o Procon, caso se confirme a responsabilidade, a empresa poderá ser multada em R$ 12 milhões.
Mãe que espera há dez anos por indenização luta por vistoria anual
Dez anos depois, nada mudou — na verdade, parece ter piorado. Em setembro de 2006, Fátima Rodrigues perdeu a filha, Carolina Rodrigues Macchiorlatti, 19 anos, intoxicada por monóxido de carbono. A jovem tomava banho em seu apartamento, em Laranjeiras, quando o gás vazou do aquecedor. Segundo Fátima, até hoje ela espera por uma indenização.
A história de luta da mãe, no entanto, nunca teve como foco a questão financeira, e sim a criação de uma lei que obrigasse a CEG a realizar vistorias anuais gratuitas nos prédios servidos pela empresa. Após a morte da filha, Fátima criou a associação ‘Morte Por Gás Nunca Mais’, que reúne familiares de vítimas em casos como o de Carolina. O projeto de lei chegou a ser criado em 2007 pelo ex-deputado estadual Alessandro Molon, quando era do Partido dos Trabalhadores (PT).
Os tempos esperançosos, porém, sofreram um “esmorecimento”, segundo Fátima. Após a morte da neta de Cândido Portinari, Maria Cândida, aos 16 anos, asfixiada no banho, em março de 2014 em sua casa, em São Conrado, a discussão voltou a ganhar força. Contudo, ficou definido, e ainda está em vigor, o que essas famílias não desejavam.
As vistorias passaram a ser feitas de cinco em cinco anos, e, muitas vezes, custam em torno de R$ 200, quando a responsabilidade por um problema detectado não é da CEG. Segundo o promotor Rodrigo Terra, da 2ª Promotoria de Defesa do Consumidor, essa prática desestimula a população a pedir a vistoria da tubulação.
O Ministério Público Estadual (MPE) analisa a viabilidade de entrar com novo recurso, na semana que vem, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), para obrigar a concessionária de gás a realizar vistorias anuais e gratuitas na sua rede e até no interior dos imóveis.
Chamados para a CEG crescem 30%
Um dia após o acidente, a CEG registrou um aumento de 30% no volume de clientes que ligaram para a companhia, no número de emergência, para relatar casos de cheiro de gás no imóvel ou pedir verificação de vazamento na tubulação da rua ou do prédio.
A concessionária lamentou o acidente e expressou “a solidariedade com as famílias”. Mas segundo a defensora Patricia Cardoso, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), a empresa, apontada como responsável pela explosão, não prestou atendimento às vítimas. “Havia famílias inteiras em desespero, fragilizadas e sem nenhum atendimento da empresa”, disse.
GALERIA: Explosão em conjunto habitacional deixa cinco mortos
A Defensoria Pública do Estado do Rio vai propor um acordo extrajudicial para a indenização dos moradores do conjunto habitacional. O órgão acredita que a medida agilizará a reparação dos danos e evitará anos de tramitação de processos judiciais. A defensora explicou que o acordo tem força de decisão judicial e será firmado na condição de que o laudo pericial confirme a culpa da CEG.
A companhia disse que só 19 dos 40 apartamentos do bloco eram atendidos por ela. Segundo a CEG, foi feita vistoria no condomínio no dia 21 de dezembro, na qual nenhuma anomalia foi detectada.