Rio - Sara Winter, que se denomina de "ex-feminista", voltou a causar polêmica após ser convidada para participar do debate "O feminismo e a desconstrução dos valores morais da mulher", na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), neste mês. Recentemente, a ex-líder do grupo "Femen" renegou o feminismo, se colocou como militante "Pró Mulher" e agora apoia o deputado federal Jair Bolsonaro (PP), o que irritou as integrantes do movimento.
Assim que o Diretório Central dos Estudantes (DCE) divulgou o evento nas redes sociais, as universitárias se revoltaram e os organizadores acabaram cancelando o encontro. Segundo as jovens, a escolha desta convidada "fere as minorias", pois ela "produz discurso de ódio".
De acordo com as alunas, os integrantes do DCE não perguntaram às estudantes quem elas queriam que palestrasse. "Como se organiza uma palestra sobre valores morais da mulher sem dialogar com as mulheres da universidade?", questionou Y, do curso de Relações Internacionais e integrante do Coletivo de Mulheres da PUC-Rio.
Na ocasião, o DCE publicou uma nota pedindo desculpas às universitárias, mas depois apagou do perfil na rede social. Na postagem, os organizadores afirmaram que "já sabiam que Sara Winter era uma figura polêmica, com opiniões radicais sobre feminismo". Por isso, os integrantes disseram que "ela poderia ser questionada, suas opiniões debatidas e mesmo confrontadas, como natural de qualquer evento universitário".
No entanto, as mulheres destacaram que não haveria debate no encontro, já que apenas Sara estaria na mesa da palestra. Estudante de Direito, Z. afirmou que os alunos só ouviriam discursos de ódio. "Isso foi muito complicado, porque quando se propõe um debate, espera-se que tenha mais de uma pessoa falando. O que pensamos é que teríamos que ouvi-la propagando discurso de ódio", ressaltou a jovem, que também é integrante do Coletivo de Mulheres.
Estudante de Relações Internacionais e participante do coletivo, X. explicou que Sara criaria um "debate falacioso", já que ela afirma que as feministas são "pró morte" por defender a legalização do aborto. "O nosso debate é pró escolha, queremos que as mulheres possam ter o direito de escolher e realizar os procedimentos com segurança", explicou.
Em nota, o DCE informou que a palestra "foi oferecida a uma pessoa da gestão, que deu prosseguimento à sua organização" e destacou que os integrantes têm autonomia para que "realizem os eventos que considerem pertinentes". O diretório ressaltou que "de forma precipitada, sem passar pela diretoria acadêmica", o evento foi divulgado no Facebook, mas "nem auditório tinha".
"Reiteramos que foi um erro e que estamos trabalhando para contornar tudo isso. O DCE pretende organizar novos eventos dando mais voz e espaço para as mulheres. As alunas-integrantes do DCE estão buscando o diálogo com o Coletivo de Mulheres e todas as interessadas na realização desses eventos", completou.
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da PUC explicou que o DCE tem autonomia para fazer qualquer palestra na universidade, desde que antes peça autorização à Vice-Reitoria Comunitária, que é responsável por permitir aos alunos o uso dos espaços do campus. A PUC afirmou ainda que, normalmente, a reitoria pede que o debate tente expor duas visões do tema.
No entanto, no caso do encontro com Sara Winter, a assessoria afirmou que direção da faculdade não sabia do debate, já que não houve o pedido de autorização do DCE na vice-reitoria. A PUC destacou que está "sempre aberta a debates sobre qualquer tema e que o feminismo é recorrente na universidade desde a década de 1970". Além disso, contou que "em todos os anos, perto do Dia da Mulher, promove eventos que discutem questões relacionadas à mulher".
Sara Winter divulgou um vídeo nas redes sociais, no qual ela conta que sofreu um "boicote" do grupo feminista da PUC. "Há alguns meses, elas fizeram um evento sobre aborto e acharam por bem me chamar para fazer esse contraponto, para falar sobre a cultura de vida. Quando um lugar fala de morte de bebês, eu fico feliz quando me chamam para fazer esse contraponto para poder espalhar mais o amor, a paz e a graça de Deus para falar sobre o movimento pró-vida", disse a ex-feminista.
Ela afirmou ainda que as "feministas parecem que mandam na PUC e não permitiam que o debate acontecesse". "Estou triste com isso, elas parecem uma autoridade maior na PUC, mais do que a reitoria e o DCE. Elas sabem que eu sou mãe solteira, minhas palestras e meus livros são a única forma de eu sustentar o meu filho.
Hashtag dá voz às mulheres
Após a polêmica, as estudantes criaram a hashtag "#NósPrecisamosdoFeminismonaPUC", em que elas podem contar sobre casos de assédio e abuso sexual dentro da universidade. Entre os relatos, as meninas dizem que já foram agredidas verbalmente por professores e alunos, principalmente em trotes e eventos da Atlética, que organiza jogos entre estudantes de determinados cursos.
De acordo com a jornalista Paola Farias, de 22 anos, a hastag é importante para unir as mulheres. "Sozinha ninguém tem voz. Em 2014, uma amiga foi ao departamento e fez uma reclamação por escrito de um professor que tinha atitudes e falas extremamente machistas. Nada aconteceu. Acredito que essas campanhas são importantes para unir a gente e mostrar que não são casos isolados", explicou.
Em relação aos casos de assédio, a assessoria da PUC afirmou que a universidade está "aberta para receber as denúncias, em grupos ou individualmente". "O posicionamento da faculdade é sempre o mesmo: acolher a denúncia, apurá-la e, se for comprovada, a universidade tomará a providência de acordo com cada fato que aconteceu", completou.