Por gabriela.mattos
No ponto, em frente à Leopoldina, um fraudador com colete com a frase ‘Posso Ajudar?’ atua diariamente abordando os passageiros dos ônibus que vão para a região de NiteróiReprodução

Rio - Posso ajudar? O convite estampa o colete de um homem que aparenta ter entre 40 e 50 anos. Com um maço de cartões RioCard de terceiros em mãos, ele marca ponto todos os dias em uma parada de ônibus da Leopoldina, no Centro do Rio. Passageiros formam fila à espera do coletivo e quem tem dinheiro à mostra recebe uma proposta atraente. Se a tarifa custa R$ 12,50, por exemplo, o ‘auxílio’ se revela: pague R$ 10 e embarque usando um dos cartões, que deve ser devolvido pela porta da frente. Funcionários das empresas de transporte dão carta branca. A ação, feita sem nenhum constrangimento, à luz do dia, é criminosa.

A fraude de cartões RioCard, incluindo bilhetes únicos e passes livres, é um crime difícil de ser combatido, que lesa os cofres públicos, empresas e a sociedade. Isso porque os descontos tarifários garantidos pelo programa do Bilhete Único Intermunicipal são financiados pelo governo do estado — o subsídio previsto para 2016 é de R$ 676 milhões — e as gratuidades, sustentadas por parte da tarifa paga pelos demais usuários.

A proposta que resultaria em economia de R$ 2,50 foi feita ao repórter do DIA, que gravou as ações na Leopoldina e no terminal Américo Fontenelle, na Central, no dia 29. Um dos aliciadores contou que atua diariamente no ponto da Leopoldina, de 12h às 20h. As imagens mostram fiscal da empresa Coesa batendo papo e rindo com o ‘vendedor’, que também foi filmado abordando passageiros da Auto Ônibus Fagundes. As linhas seguiam para a região de Niterói.

Na Central, um homem de camisa branca praticava o crime no embarque para a Baixada Fluminense. Um vídeo mostra um fiscal da Viação União saindo de um ônibus e parando ao lado do sujeito.

Cerca de 700 cartões de Bilhete Único Intermunicipal e RioCard foram apreendidos, em 2015, em ações da Secretaria Estadual de Transportes e das polícias Civil e Militar, e encaminhados à Delegacia de Defraudações. “Cometem irregularidades quem entrega seu cartão para ser descarregado, quem extrai os créditos para obter benefício sobre o saldo e sobre o subsídio do Bilhete Único e quem aceita embarcar com desconto”, diz o secretário de Transportes, Rodrigo Vieira.

A Polícia Militar afirmou que vai destacar policiais para identificar e prender os criminosos. O Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário do Estado ressalta que orienta as empresas a acompanhar seus funcionários e punir os que compactuarem com fraudes. A Viação União informou que colabora com as autoridades no esclarecimento de práticas ilícitas. O DIA não conseguiu contato com representantes da Coesa e Fagundes.

Biometria facial começa em até 45 dias nos coletivos

Por meio do sistema de reconhecimento facial, o governo pretende começar a notificar e bloquear, em até um mês e meio, os titulares de Bilhete Único Intermunicipal e cartões de gratuidade usados por terceiros. Segundo o secretário Rodrigo Vieira, as empresas — que custearão a tecnologia — instalaram câmeras em 1.200 ônibus do Rio e Niterói. Os testes mostraram que 30% dos usuários de gratuidades não correspondem aos reais beneficiários.

A previsão é que toda a frota do estado, com 22 mil ônibus, seja equipada até o fim do ano. Em seguida, serão definidos prazos para instalação no metrô, trens, barcas e vans intermunicipais.

Quando um estranho passar na roleta, uma câmera conectada ao validador reconhecerá a fraude. O passageiro não será impedido de embarcar, mas o dono do cartão será convocado para prestar esclarecimentos em até cinco dias. Portadores de vale social terão dez dias. O benefício será suspenso e as informações, encaminhadas para a Delegacia de Defraudações. Segundo Vieira, ainda não é possível mensurar a economia que o estado vai obter.

Subsídio do Bilhete Único é pago pelo governo estadual

Melissa Sartori, gerente de Marketing da RioCard, lembra que o Bilhete Único Intermunicipal (BUI) é uma política social que incentiva o uso do transporte pela população com renda mais baixa, com subsídio do estado. “É importante que o benefício seja direcionado a quem precisa, de forma a assegurar sua continuidade.”

Algumas vantagens oferecidas pelo BUI são integrações com desconto e tarifa mais baixa nas barcas e nos ônibus intermunicipais — a diferença para as tarifas cheias é paga pelo governo estadual. Em relação às gratuidades, Melissa ressalta que o uso por quem não detém o direito causa prejuízo às operadoras de transporte, e pode ter reflexos na tarifa, pois diminui a base de passageiros pagantes.

Segundo o delegado Ricardo Barbosa, da Delegacia de Defraudações, pessoas que praticam ações como as mostradas na reportagem estão sujeitas a responder por associação criminosa e estelionato. Os donos dos cartões e rodoviários podem ser enquadrados se for comprovado que sabiam da fraude. Geralmente as quadrilhas recebem o vale-transporte, descarregam os créditos e pagam ao cliente valor em dinheiro inferior ao saldo do cartão. No caso das gratuidades, os beneficiários alugam os cartões. 

Quando a ação é praticada em ônibus executivos, não incluídos nas regras do Bilhete Único, o erário não é lesado, mas há crime, sendo o cartão de gratuidade ou o vale-transporte. “O dono do vale-transporte assina um documento informando a quantidade necessária de passagens para trabalhar. Se a informação é falsa, está lesando a empresa e pode ser obrigado a devolver o valor”, diz o especialista em direito penal José Ricardo Ramalho.

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