Por clarissa.sardenberg
Rio - ‘Medo a gente fica, mas não tem para onde correr, porque emprego está difícil. Tem que pedir a Deus que nos proteja.” O desabafo é de Roni Gonçalves, de 45 anos, motorista de ônibus. Seu sentimento pode ser estendido aos passageiros e outros rodoviários que têm tido cada vez mais o direito de ir e vir restringido por assaltos nos coletivos. É o que O DIA mostra na série de reportagens ‘Passageiros da Agonia’, que começa a ser publicada hoje.
Além de acesso exclusivo a imagens das ações dos criminosos, gravadas pelas câmeras dos coletivos, a equipe de reportagem percorreu as linhas mais assaltadas e entrevistou passageiros e motoristas que relatam cenas traumatizantes que parecem ser vistas pela Secretaria de Segurança Pública apenas como números crescentes nas estatísticas do delito. Nos primeiros 11 meses de 2016, houve um aumento de 34,5% nos roubos a passageiros de ônibus. Foram 9.616 casos a mais de um total de quase 40 mil registros realizados nas delegacias do estado, de acordo com o Instituto de Segurança Pública.
Câmeras dos coletivos flagram ação dos bandidosDivulgação

As mudanças na rotina são proporcionais ao crescimento da violência. Empresas contratam seguranças particulares; motoristas mudam o trajeto à noite; alguns passageiros já levam objetos mais baratos para dar aos bandidos. Nos assaltos, armas de fogo são as mais usadas. Mas ameaças com tesouras, facas, granadas e até uma metralhadora já foram registradas.

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Levantamento feito pelo DIA nos registros de ocorrências realizados no ano de 2016 na Região Metropolitana traçou quais são os pontos mais assaltados, onde os assaltantes embarcam e onde mais desembarcam.
Na Avenida Presidente Vargas, no trecho de 3 quilômetros entre a Candelária e o Sambódromo, há os três pontos onde os criminosos mais embarcam para cometer os delitos, no Centro. Pelos registros, os pontos próximo à Igreja da Candelária, à Central do Brasil e ao Sambódromo correspondem a 38% da escolha nos embarques dos assaltantes. A Central é onde houve mais embarques de bandidos no período. Os assaltos ocorrem com o coletivo ainda em movimento e duram menos de 5 minutos. Por conta disso, a Leopoldina e o Maracanã aparecem no ranking do desembarque de assaltantes.
Motorista Roni já foi vítima de cinco roubosAlexandre Brum / Agência O Dia

Já a Avenida Brasil, nos 3,7 km que margeiam o Complexo da Maré, é o trecho mais assaltado do estado, em 2016. Só ali, 1.633 pessoas foram alvos desses crimes, de acordo com levantamento realizado junto às empresas de ônibus. Uma média de quase cinco por dia. Muitos casos, porém, não são registrados nas delegacias e, por isso, não entram nas estatísticas oficiais. Além desses trechos, vias expressas e túneis são alvos preferenciais de assaltantes. Entrevista foi solicitada ao comandante-geral da PM, coronel Wolney Dias, mas, até sexta-feira, o pedido não foi confirmado.

Rotina do terror: Motoristas relatam assaltos seguidos

Motorista há 20 anos, Roni teve o ônibus assaltado cinco vezes. A última foi no ano passado na linha 639 (Jardim América - Saens Peña). Três bandidos embarcaram em Cascadura anunciando um assalto e saltaram em Madureira após roubar os passageiros e a cobradora. No ponto do Engenho Novo da 383 (Realengo - Praça da República), nem condutores ou usuários gostam de parar à noite. “É um lugar complicado depois das 22h”, conta.

Já o motorista Leandro Machado dos Santos, 32, da linha 371 (Praça Seca - Praça Tiradentes), foi vítima seis vezes só no ano passado. “Todo mundo sabe: acontece pelo menos três vezes por semana. Os elementos sobem e descem nos mesmos lugares, geralmente à noite. Mas nenhuma providência é tomada pela Polícia Militar”. O condutor conhece bem o roteiro dos crimes. “Bandidos geralmente pegam o ônibus aqui na Tiradentes ou na Central”, disse.

Certa vez, Leandro conseguiu parar próximo de uma viatura e os criminosos que estavam no veículo foram colocados para fora. Ao chegar ao ponto final, teve uma surpresa temerosa. “Os caras que eu botei para fora estavam lá no ponto final. A sorte é que não mexeram comigo. A única coisa que falaram foi: ‘Pô, você podia ter dado um papo’. Quer dizer, eu podia ter tomado uma facada, um tiro, sei lá”.

Vítima que já foi refém na Dutra desabafa e diz que falta estratégia à polícia

A administradora X., 34, deixa o carro em casa e vai trabalhar de ônibus executivo. Moradora de Nova Iguaçu, sai de manhã cedo e volta à noite. Desde que ficou refém de bandidos na Via Dutra, ela anda com a bolsa agarrada à frente do tronco. Aconteceu em fevereiro de 2014, mas o trauma não passou. Com receio de mostrar o rosto, ela se emociona ao lembrar a morte de um amigo que reagiu a um assalto em outro coletivo que seguia para Belford Roxo, em julho de 2015.

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“Sair de casa ainda tem sido muito difícil, de ter crise de choro, de descer em outro ponto e voltar chorando. Na fila, todo mundo vira suspeito. Aí você se torna uma pessoa preconceituosa. Julgamos as pessoas pela cara, pela vestimenta ou pelo jeito, e, às vezes, é só mais um trabalhador morrendo de medo, inclusive de você ser uma bandida”, lamenta.
X. foi assaltada em um ônibus executivo que saiu do Castelo para Nova Iguaçu por volta das 19h40. Ela tinha acabado de comprar um celular parcelado em dez vezes, que perdeu para os criminosos. Dois homens armados embarcaram no terminal Menezes Cortes e pagaram a tarifa como passageiros. Anunciaram o roubo na entrada da Dutra.
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“Eles estavam com uma arma apontando para a gente e eu, nervosa. Chegaram a agredir um passageiro”, lembra. Os bandidos desceram próximo ao motel Lugano. A vítima ficou cerca de cinco meses sem pegar o mesmo ônibus. Substituiu a opção mais confortável por um ônibus comum, “mas que igualmente tem assalto”, ressalta. X. faz um apelo às autoridades: “Falta estratégia da polícia. Os bandidos descem sempre no mesmo lugar. Por que a polícia não está lá para esperar? Não é possível que a gente saiba o ponto em que os caras descem e a polícia não.”