Se considerarmos que há poucos jogos nos meses de dezembro e janeiro, é praticamente uma morte a cada mês. “Entra ano, sai ano e o problema continua sem solução. Falta planejamento, organização, interesse e responsabilidade das autoridades para resolver esta questão”, aponta o sociólogo Maurício Murad, professor da Universidade Salgado de Oliveira. Os números estão no seu recém-lançado livro ‘A Violência do Futebol: novas pesquisas, novas ideias, novas propostas’.
Dois outros torcedores feridos no confronto de domingo continuam internados no Hospital Salgado Filho, no Méier. Anderson Firmo da Silva, integrante da Torcida Jovem do Botafogo, foi operado e continua em estado grave. Já Evanildo Fernandes não corre risco de perder a vida. Outros cinco torcedores feridos no clássico foram liberados ainda na noite de domingo.
Ontem, familiares de Diego negaram que ele fizesse parte de torcidas organizadas, o que foi desmentido por diversas fotos que circularam nas redes sociais mostrando que o torcedor era integrante da Fúria Jovem, uma das maiores facções alvinegras. Em seu perfil no Facebook, Diego fazia várias postagens de apologia à violência entre torcidas, bem como a Deus, Jesus Cristo e à família. Na página oficial no Facebook, a Fúria Jovem referiu-se a Diego como “amigo que se foi”, e disse “nenhum sangue será derramado em vão”. A morte do torcedor teve requintes de crueldade, com golpes de espeto de churrasco no tronco e no rosto.
A diretoria da Fúria Jovem reclamou da ausência de policiais na partida e disse que os torcedores foram vítimas dos rubro-negros, que teriam invadido o espaço destinado aos alvinegros portanto paus, pedras e armas de fogo. Em nota oficial, a PM admitiu que a crise na corporação por conta de protestos das mulheres de policiais prejudicou o policiamento. A Polícia Civil informou que a Delegacia de Homicídios investiga a morte do torcedor e já recolheu câmeras para tentar identificar os suspeitos do crime. Há relatos de que o tiro que matou Diego partiu de ocupantes de um carro que passava pelo local.
A guerra nos arredores do Engenhão reacendeu o debate em torno da existência das torcidas organizadas. Maurício Murad nada contra a maré do senso comum que, a cada caso de violência, pede a extinção das torcidas organizadas no futebol brasileiro. “Não resolveria nada. Temos que matar o carrapato, não o gado. As torcidas organizadas são responsáveis por festas incríveis. Mas elas têm 5% de idiotas, marginais, que precisam ser punidos de forma exemplar", pede Murad.
O clássico de domingo é citado pelo pesquisador como um bom exemplo do que não se deve fazer quando o assunto é torcida organizada. Punidas por episódios de violência, as principais torcidas organizadas do Flamengo não puderam entrar no estádio uniformizadas, com bandeiras, faixas e instrumentos musicais. Nada disso impediu a barbárie do lado de fora.
“Se você regulamenta a torcida e identifica o torcedor, fica mais fácil punir. No estádio, ele está engaiolado. E filmado. Na clandestinidade, fora do estádio, o marginal produz ainda mais violência. Desde 1990, 90% dos episódios de violência ocorrem foram dos estádios. Mas ninguém se dá conta disso. Punindo as torcidas, e não os bandidos, você prejudica o espetáculo, que perde a festa, e não diminiu a violência”, alerta.
As soluções para o problema, segundo Murad, não são simples. É preciso vontade política das autoridades e participação efetiva dos clubes neste processo, com o fim de subsídios aos grupos de torcedores.
“Ultimamente, os clubes falam em distanciamento das torcidas organizadas, mas sabemos que por baixo dos panos ainda há subsídio em ingressos ou viagens. Isto precisa ser revisto, e os dirigentes, punidos”, diz.
Dos quatro grandes clubes do Rio, apenas o Flamengo admitiu ajuda às torcidas, que precisam se inscrever no programa de Sócio Torcedor Corporativo do clube, tendo direito a 50% de desconto no ingresso e garantia da carga que desejarem. Fluminense, Vasco e Botafogo garantiram que não possuem mais relações comerciais com as torcidas.
Dia seguinte: cenário de pós-guerra
Buracos de bala na parede, cápsulas de bala no chão e sangue seco manchando o asfalto. O cenário de ontem no entorno do Engenhão ainda expunha as marcas dos momentos de guerra do dia anterior. Nos estabelecimentos das redondezas, não se falava de futebol.
Dono de padaria na Rua José dos Reis, Gabriel Fernando Cabral, de 21 anos, teve de fechar as portas antes da hora no domingo. “Muitos torcedores do Botafogo ficaram ilhados aqui. Nunca vi nada parecido. Virou um mar de briga”, conta.
Além dos tiros, houve relatos de roubos. “Em dia de jogo, a gente vê aquelas brigas ‘normais’. O que aconteceu ontem foi vandalismo. Não acho que seja coisa de futebol”, comenta a moradora Joice dos Santos, de 68 anos.
No acesso ao Setor Oeste, o pequeno Victor Michel, de 6 anos, encontrou a cápsula de uma bala enquanto brincava na tarde de ontem. Já a cobradora Maria Aparecida, de 60, presenciou a cenas mais chocante do domingo: a morte de Diego sendo perfurado por um espeto de churrasco. “Foi horrível”, contou a moradora.
Plano inicial era reduzido
A Polícia Militar confirmou que uma parte do Grupamento Especial de Policiamento em Estádios (Gepe) encontrou dificuldade para sair do quartel até o Engenhão por causa do protesto de parentes na porta do 3ºBPM (Méier) e que foi necessário chamar policiais de outras unidades.
O planejamento inicial, informado pela Polícia Militar, era de 48 PMs nas ruas do entorno do estádio, um número inferior ao clássico anterior, que foi de 70 agentes. No entanto, o Gepe escalou 170 PMs para a partida – 20 a mais que no jogo entre Vasco e Fluminense.
À ‘TV Globo’, o diretor de competições da Federação de Futebol do Rio de Janeiro, Marcelo Vianna, afirmou que a polícia não conseguiu fazer a troca de turno. “O 3º BPM não conseguiu fazer a rendição de seu efetivo, não fez a troca de turno. Por conta disso, o Estado-Maior Geral da Polícia Militar teve que trazer policiais de outras unidades e demorou mais para se conseguir um número suficiente de PMs para o entorno do estádio”, disse.
Colaboraram Bruna Fantti e o estagiário Caio Sartori