Por tabata.uchoa

Rio - Antes de ser admitida no Condomínio Viva Realengo, Ana Cristina Teixeira de Oliveira, de 44 anos, nunca tinha imaginado que ‘porteiro’ poderia terminar com ‘a’. Assustada pelo desemprego, ela colocou um ano de experiência (inexistente) no currículo quando surgiu a vaga na portaria. E assim se viu entre homens e sob uma enxurrada de deboches e preconceito. Inicialmente, ninguém imaginava que ela, negra e mulher, em poucos meses se tornaria a chefe de portaria. “As pessoas falavam para mim que nunca viram porteira mulher. Aturei muito preconceito calada. Me sentia pequenina no meio de todos os porteiros. Imaginei tudo, menos que eu fosse ser a chefe”, contou.

'Aturei preconceito calada. Me sentia pequenina no meio de todos os porteiros'%2C diz Ana Cristina%2C porteira em RealengoDaniel Castelo Branco / Agência O Dia

Hoje, ela se define como a prefeita de uma pequena cidade, de 11 blocos com 440 apartamentos. Das 7h às 19h, ela anda com imponência por todo seu território, que conhece como a palma de sua mão. E fala com desenvoltura da profissão, na qual se aperfeiçoou após fazer um curso profissionalizante. “Paguei do meu bolso, porque queria crescer. O dinheiro do curso era o presente de Natal da minha filha. Levei a cartilha para casa e aprendi tudo. Hoje em dia eu dou aula para os funcionários mais velhos”, disse.

Ana ainda faz parte de uma minoria. Não existem estatísticas sobre o número de porteiros na cidade, mas o presidente do Sindicato dos Empregados em Edifícios e Condomínios do Rio, Carlos Antônio Cunha de Oliveira, disse que consegue contar nos dedos as mulheres que exercem a profissão. E na base do sindicato, são 60 mil profissionais. Por que essa discrepância? “São 45 anos que eu sou porteiro, mas também não entendo. Não sei nem te explicar. Não tem nada de diferente nas porteiras mulheres”, disse.

'Eu amo tudo%2C sou movida a amor. Aqui%2C eu me sinto como se estivesse no meu lar'%2C diz Célia Faria%2C porteira em BotafogoMárcio Mercante / Agência O Dia

A psicanalista Elsa Devay, que dá aulas no curso Qualificando Porteiros, da UniSecovi Rio, tem uma teoria: “As pessoas acreditam que uma mulher não poderia interceptar uma pessoa que quisesse entrar ou se impor numa discussão. Mas no curso trabalhamos isso e elas se sentem empoderadas a fazê-lo”. Segundo ela, a participação feminina nas aulas é tímida, mas vem crescendo bastante. São em média três em cada turma.

Com batom e menos força física, elas prestam mais atenção

Que me desculpem as outras porteiras, mas para Nilza Steger Halasz, 58 anos, a beleza é fundamental. “Gosto de passar batom todo dia. A aparência é muito importante, ainda mais para nós, que recebemos as pessoas”, disse, na portaria do prédio onde trabalha, em Botafogo.

Segundo a psicanalista Elsa Devay, arrumar-se contribui para uma postura mais imponente, essencial na função de prevenção de segurança: “O chefe tem que fazer três ações: planejar, estruturar e monitorar as atividades. As mulheres têm isso mais à mão. Elas fazem valer o que está escrito nas normas”.

Célia Faria, 60, opina que, embora tenham menos força física, as mulheres costumam prestar mais atenção que os homens. Ela é colega de Nilza na portaria e sua cunhada fora dali. E diz que se sente privilegiada de estar em um lugar onde poucas estão: “Eu me sinto envaidecida, no céu. Mas por ser mulher, não tem tanta oportunidade. As mulheres muitas vezes têm mais capacidade, só falta testarem. Depois de me testarem, colocaram a Nilza”.

Da portaria de um prédio em Copacabana, Eloiza Elena, 50 anos, também afirma que a aceitação das mulheres só depende de uma abertura. “No começo, principalmente os idosos tiveram problema de aceitar. Mas com meu trabalho, virei estrela. Agora, todas as porteiras são mulheres, a zeladora é mulher e a síndica também é mulher. É um prédio de mulheres e eu que comecei essa revolução”, orgulha-se ela.

Reportagem da estagiária Alessandra Monnerat

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