Rio - Um esquema de pagamento de propinas ao Tribunal de Contas do Município (TCM) por obra do lote 2 do corredor BRT Transcarioca, trecho entre a Penha e o Galeão, foi exposto na delação premiada de Luciana Salles Parente, ex-integrante do conselho do consórcio formado pela OAS, Carioca Engenharia e Contern. Ela relatou à Justiça que havia cobrança de 1% do contrato de R$ 500 milhões aos conselheiros, mesmo percentual acertado com Alexandre Pinto, então secretário municipal de Obras, e 3% aos fiscais do Ministério das Cidades. Luciana não citou outros nomes na delação.
A operação do pagamento é parecida com a cobrança às empreiteiras exigida pelos conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Ou seja, 1% de obras acima de R$ 5 milhões. Os desvios foram relatados pelo ex-presidente da Corte Jonas Lopes e o filho dele, o advogado Jonas Neto, que resultaram na prisão de cinco conselheiros e um ex-conselheiro aposentado. O ministro Félix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), prorrogou a prisão até sexta-feira. No caso do município, Luciana contou que as empresas concordaram com o pagamento em espécie. Ela assegurou que metade da propina, o equivalente a R$ 2 milhões, foi paga.
Luciana alegou que tomou conhecimento dos “compromissos de pagamento de vantagens indevidas” já nas primeiras reuniões do conselho, em que ela participou como diretora operacional na empresa. A engenheira acrescentou que Antonio Cid Campelo, representante da OAS, trouxe a “demanda” e chegou a mencionar “a pessoa do TCM” que exigira a propina, mas ela não se recorda do nome.
TCM responde
Em nota,o TCM informou não ter conhecimento da denúncia e que só poderá se manifestar após ter acesso a esta. Mas que desde já coloca todos os processos — auditorias e inspeções — sobre a Transcarioca à disposição para quem quiser ver o farto material a respeito e a condução dos trabalhos feitos pelo corpo técnico e pelos conselheiros do TCM.
Na colaboração de Luciana, ela revelou ainda que recursos superfaturados do consórcio na obra da Transcarioca geraram Caixa 2, a partir do segundo semestre de 2013; cada empresa ‘contribuía’ individualmente, e não mais pelos contratos superfaturados do consórcio. Pela Carioca, a responsável era Tânia Fontenelle, gerente financeira da empresa.
A Operação Quinto do Ouro prendeu os cinco conselheiros do TCE na quarta-feira e levou Jorge Picciani, presidente da Alerj, para prestar depoimento coercitivamente na Polícia Federal, sob suspeita de integrar o esquema de corrupção. O parlamentar nega as acusações.
O DIA não localizou Alexandre Pinto. O Ministério das Cidades não respondeu aos questionamentos sobre o recebimento de propina pelos responsáveis pela fiscalização da Transcarioca, que contou com recursos bancados pelo governo federal.
Cargo pôs Brazão em ‘cela especial’
Mesmo sem ter curso superior, o conselheiro Domingos Brazão está preso em Bangu 8, unidade destinada aos internos que têm diploma universitário.
O motivo alegado pela Secretaria de Administração Penitenciário é o fato de ele ser conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, o que lhe concede esse benefício. O fato foi confirmado pelo promotor da Vara de Execuções Penais, Guilherme Freitas. “Ele tem a prerrogativa por conta da função”, disse.
Somente o Superior Tribunal de Justiça poderia determinar a perda da função, caso o conselheiro seja considerado culpado dos crimes. De acordo com a Seap, até o momento nenhum dos conselheiros presos recebeu visitas. Eles têm se alimentado bem, não recusando o cardápio oferecido, segundo a pasta.
A alimentação é feita através de quentinhas oferecidas pelas empresas das quais os conselheiros são acusados de terem desviado dinheiro do fundo que fez o pagamento.
Briga pelo maior quinhão no TCE
Ávidos pelos pagamentos de propina, os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado viviam às turras. Havia uma desconfiança constante de que um poderia estar ‘passando a perna’ no outro. Segundo o ex-presidente Jonas Lopes, o então vice-governador Luiz Fernando Pezão, atual chefe do Executivo, foi até chamado para apaziguar os ânimos. Pezão não quis comentar.
Segundo relato do advogado Jonas Neto, a entrega da propina contava até com senhas, como a palavra ‘floresta’. Outro termo muito usado pelo então presidente Jonas Lopes para chamar os conselheiros para dividir o dinheiro era a frase ‘aquela pasta bonita’, onde eram acondicionados os valores irregulares. Parte da propina ao conselheiro Marco Antônio Alencar foi entregue na Sociedade Hípica Brasileira. José Graciosa e o atual presidente Aloysio Neves receberam valores até em casa.
Jonas Lopes contou à Polícia Federal que soube dos pagamentos de propina quando chegou à Corte em 2002. No ano seguinte, ele revelou a mesada do Executivo de R$ 300 mil, por mês, mas o então presidente José Graciosa queria mais R$ 100 mil da Cedae e o Detran. Graciosa foi a Brasília falar com o deputado federal Eduardo Cunha, que tinha o poder de ‘administrar’ os dois locais. Mas levou um ‘sabão’ de Cunha que o chamou de ganancioso.
Segundo Jonas Lopes, Graciosa era conhecido por fazer ‘voo solo’, pois arrecadava valores exclusivamente para ele. O que causou discórdia com os outros conselheiros envolvendo a Prefeitura de Macaé. Jonas afirmou ainda que sofria pressão violenta dos outros conselheiros com relação à divisão dos valores da propina.
OAB-RJ julga cassação de Adriana
Para cassar a carteira de advogada da ex-primeira-dama Adriana Ancelmo, acusada de integrar esquema de corrupção comandado pelo marido, o ex-governador Sérgio Cabral, são necessários 54 votos dos 80 integrantes do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ). Ela será notificada este mês para se defender. O prazo da resposta é de 15 dias. A entidade suspendeu a carteira por três meses, mas o prazo expirou.
Se a carteira for cassada aqui, ela pode recorrer ao Conselho Federal. Ontem, manifestantes continuavam a vigília de protestos em frente ao prédio da ex-primeira-dama, que cumpre prisão domiciliar no Leblon, desde quarta-feira, por determinação da ministra Maria Thereza Moura, do Superior Tribunal de Justiça. O Ministério Público Federal recorreu da decisão. Enquanto isso, cartazes e camisas com dizeres e pedidos de justiça e o retorno da advogada para o Complexo de Gericinó, em Bangu, se proliferam.
O vendedor de livros Edson Rosa, de 47 anos, protesta desde a volta de Adriana para casa. “ Tem gente buzinando toda hora. Ela tem que voltar para a cadeia. Tem uma moça que há nove ou dez anos tenta ver os filhos e não consegue. É injusto. Vou ficar aqui até a Adriana voltar para a prisão”, prometeu.
Vizinhos fizeram um abaixo-assinado contra a prisão domiciliar. Curiosos param para olhar e tirar fotos. O local praticamente virou ponto turístico do bairro. “Não me incomodo com o barulho ou com a manifestação. Acho importante o povo reivindicar e mostrar o seu descontentamento”, disse o estudante Pedro Albuquerque de Carvalho, de 23 anos, morador da Rua Bartolomeu Mitre, no mesmo bairro de Adriana.
Adriana Ancelmo foi beneficiada por uma liminar que permite que ela cumpra prisão domiciliar em seu apartamento para cuidar dos filhos. Contudo, ela não poderá ter acesso a internet e telefones.
Reportagem de Adriana Cruz, Aline Cavalcante, Bruna Fantti e Gabriel Sobreira, com o estagiário Rafael Nascimento