Rio - Quando escreveu, na sentença que decretou a prisão do ex-governador Sérgio Cabral, que o “contraste entre a opulência dos acusados de praticar crimes de maneira reiterada com o dinheiro público e o arrocho imposto à população fluminense expõe uma versão criminosa de governantes ricos e governados pobres”, o juiz federal Sérgio Moro não estava apenas usando retórica.
Ele descrevia uma incrível realidade, que foi comprovada no decorrer das investigações sobre a organização criminosa que se instalou no Palácio Guanabara. Segundo a força-tarefa fluminense da Lava Jato, as despesas pessoais de Cabral alcançavam a fortuna de R$ 4 milhões por mês.
Os gastos mensais de cerca de R$ 220 mil, com pagamento de funcionários, médicos, condomínio, seguro de carros e outras pequenas despesas, relatados pela ex-secretária Sonia Ferreira Baptista correspondiam a cerca de 5% do que Cabral desembolsava mensalmente.
Os custos com a manutenção de outros apartamentos, escritórios, veículos; o pagamento de aulas de equitação, sessões de massoterapia; a compra de joias, obras de arte, roupas e móveis de grife; o sustento dos parentes, comparsas e até os gastos com campanhas eleitorais, tudo bancado com as propinas, entraram nos cálculos dos membros do Ministério Público Federal (MPF).
Com o dinheiro da corrupção, Cabral bancava a todos. Dava dinheiro para a mãe, para os irmãos, filhos, para as tias, primos, para a ex-mulher e até para a ex-sogra e ex-cunhada. Segundo a investigação, Angela Neves e Nina Neves recebiam R$ 7,5 mil por mês do ex-governador. Somente com o aluguel de um escritório no Leblon, Cabral pagava R$ 42 mil por mês. Ele esbanjava dinheiro.
As despesas com a ex-primeira-dama, Adriana Ancelmo, todas pagas em dinheiro vivo, eram perdulárias. Segundo depoimento de Michelle Tomaz Pinto, gerente-financeira do escritório dela, a mulher de Sérgio Cabral chegou a gastar R$ 300 mil de cartão de crédito. Por apenas seis vestidos sob medida, Adriana se deu ao requinte de pagar R$ 57 mil. Por uma espreguiçadeira, pagou R$ 31,6 mil. Cabral, que tinha salário de cerca de R$ 20 mil como governador, chegou a contratar uma personal stylist para escolher suas roupas da grife Alberto Gentleman, e gastou R$ 86 mil em ternos e cuecas.
O montante do roubo da organização criminosa liderada por Cabral ainda é uma incógnita. Mas, para se ter uma ideia da fortuna, basta dizer que, em apenas três operações (Calicute, Eficiência e Fatura Exposta), o MPF bloqueou bens e valores estimados em R$ 950 milhões, sendo que R$ 319 milhões foram ressarcidos aos cofres públicos.
‘Meta é condenar os criminosos e recuperar o dinheiro da corrupção’
Segundo dados do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça e Cidadania (DRCI/SNJ) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em 17 anos, o Brasil já obteve bloqueios de cerca de R$ 2,7 bilhões (900 milhões de dólares) no exterior, e repatriou R$ 600 milhões (200 milhões de dólares), dentre os quais R$ 36 milhões em obras de arte (no caso Banco Santos), R$15 milhões referentes à Operação Lava Jato, além de dois apartamentos em Nova York (EUA), e uma casa de luxo no Valle Nevado, no Chile.
Também existem pedras preciosas de alto valor apreendidas e indisponíveis nos EUA e na Suíça. A maior parte dos bloqueios (R$ 1,5 bilhão) aconteceu entre os anos de 2015 e 2017.
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A recuperação de ativos no exterior é um procedimento que se inicia com a identificação, localização de bens e valores e a indicação de que esses bens são ligados com atividade criminosa, sendo proveito de lucros ilícitos obtidos com o crime, ou fruto de lavagem de dinheiro.
Segundo o DRCI, as delações premiadas incrementaram o trabalho do órgão, que mantém acordos bilaterais com outras nações, inclusive de reconhecidos paraísos fiscais, que antes eram inatingíveis, como Bahamas e Ilhas Cayman. O procurador da República Leonardo Cardoso de Freitas explicou que “condenar e recuperar o dinheiro da corrupção para os cofres públicos são os maiores objetivos do Ministério Público Federal (MPF)”.
Sete bens por R$ 12,5 milhões
O leilão de apenas sete bens do vasto patrimônio adquirido com o dinheiro da corrupção pelo casal Sérgio Cabral e Adriana Ancelmo deve render R$ 12,5 milhões aos cofres públicos. Nessa conta, não estão incluídas as joias compradas pelo casal, algumas por mais de R$ 1 milhão, que ainda dependem de avaliação.
Entre o patrimônio que será leiloado, está a mansão no Condomínio Porto Bello, Mangaratiba, onde a quadrilha costumava se reunir para comemorar o sucessos das suas empreitadas criminosas e arquitetar novos golpes, estimada em R$ 8 milhões; e a lancha Manhattan Rio, que vale R$ 4 milhões, além de três automóveis de luxo e uma moto aquática, no valor de R$ 531 mil.
Na sua decisão, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, destacou que tanto “automóveis quanto embarcações são bens facilmente depreciáveis com o simples passar do tempo, perdendo valor de mercado, ainda que bem cuidados e com manutenção em dia”.
No entendimento do juiz, com referência ao imóvel, apesar de o valor de mercado não se reduzir com tanta facilidade, “a dificuldade para manutenção é inegável, uma vez que o casal proprietário está custodiado pelo estado, sem poder dispensar os devidos cuidados à casa. Portanto, a alienação antecipada proposta é adequada e proporcional ao caso em concreto”. Bretas salientou que em caso de absolvição do casal, fica resguardado o direito à devolução da quantia.