Por nadedja.calado

Rio - Denúncias de assédio moral, sexual e de relacionamentos entre professores e estudantes menores de idade causaram uma crise no Pré-Vestibular Social Rede Comunidade, um projeto de extensão da UFF (Universidade Federal Fluminense), em Niterói. O curso atende alunos de baixa renda e moradores de áreas periféricas e comunidades carentes. Os professores do projeto são alunos da UFF e recebem uma bolsa de extensão de R$ 400 mensais. Uma das denúncias chegou a virar caso de polícia.

Uma aluna do curso, de 17 anos, denunciou internamente um professor por assédio em abril deste ano. Segundo pessoas que acompanharam o caso, ela relatou ter recebido olhares maliciosos, convites para se aproximar e, em uma ocasião, um beijo no pescoço ao se cumprimentarem. Ela também disse ter recebido mensagens pelo WhatsApp durante a madrugada, pedidos de fotos e convites para sair. Prints de conversas entre o mesmo professor e uma outra aluna não identificada circulam entre os estudantes do curso. O DIA confirmou que o número do print correspondia ao do professor denunciado.

Prints de conversas entre o professor e uma outra aluna%2C não identificada%2C circulam entre os estudantes do cursoAcervo Pessoal

Pouco tempo depois, uma denúncia a outro professor, também por assédio, foi feita anonimamente no grupo do curso no Facebook. Alunos relataram que, após a postagem, o grupo foi excluído e os professores passaram a repassar os materiais didáticos através de um blog, sem espaço para comunicação entre os estudantes. "Ou seja, não podemos ter opinião e não podemos achar errado o que a coordenação está fazendo. Estranho para um projeto social que se diz progressista", lamentou uma aluna. Um dos quatro coordenadores do curso, que não quis se identificar, negou, em nome do projeto, que tenha sido esse o motivo da exclusão do grupo.

O coordenador também afirma que os casos citados foram investigados: "Verificamos e não encontramos provas, então os professores foram reinseridos. Se alguém se sentiu lesado, deve procurar a polícia, não a nós". Em nota, a comissão da sindicância disse que os professores denunciados deveriam assistir palestras de conscientização sobre machismo. Apesar de inocentar os docentes, o texto diz que "os que voltarem a cometer tais agravos serão desligados". Com a notícia de que o professor seria reinserido, a aluna deixou o curso.

Segundo outra estudante do curso, o retorno causou comoção entre os alunos. "Em uma aula aleatória, a assistente social do projeto leu uma nota dizendo que o assédio era errado e que os professores foram 'reciclados' assistindo palestras feministas", disse. Diversos alunos relataram insatisfação com o fato de um dos professores ter guiado uma viagem de campo do curso logo após o caso. "Achamos isso uma total falta de bom senso, foi inacreditável", disse outro estudante. Posteriormente, os professores denunciados se desligaram do projeto.

O coordenador disse ainda ter conhecimento de relacionamentos entre professores e alunas: "Realmente acontece, em todo lugar, em todos os cursos. Não tomamos conta da vida dos professores e alunos 24 horas. Mas temos um termo de compromisso do projeto que proíbe esse tipo de relação". Outros professores, porém, afirmam que o termo foi retirado dos contratos em 2017. O coordenador admite: "Aprovamos (a retirada) na primeira reunião de professores, em janeiro. Fizemos isso para resguardar o projeto".

A mãe da aluna assinou uma carta afirmando que o curso deu o apoio necessário à filhaAcervo Pessoal

Após deixar o curso, a aluna levou o caso à polícia. A mãe da jovem relatou ter assinado uma carta dizendo que a filha recebeu o apoio necessário do curso: "Já estava acontecendo há muito tempo e finalmente me chamaram para uma reunião. Não queriam conversar sobre o assunto, só queriam aquele papel. Não me deram assistência nenhuma. Assinei porque nunca quis tirar dinheiro de ninguém, só quero justiça". O caso foi denunciado na Delegacia da Mulher de Niterói (Deam/Niterói) e os nomes dos envolvidos não podem ser revelados porque a denunciante é menor de idade. Procurada, a Polícia Civil confirmou que o caso foi registrado e encaminhado ao Juizado Especial Criminal (Jecrim). 

Desligamentos

Igor Correa, aluno de Geografia da UFF e recém desligado do Pré-Vestibular, onde lecionava a mesma disciplina, afirma que uma das bolsistas foi demitida por ter se posicionado firmemente contra os casos de assédio. Em solidariedade, ele também pediu seu desligamento. Em um post no Facebook, ele relatou o ocorrido: "Minha demissão foi feita com base no vexame dado pela gestão que se posiciona a favor de professores acusados de assédio, não presta assistência adequada às vitimas e ainda demite a unica professora que lutou até o fim para que as questões fossem apuradas com rigor". 

O coordenador do Pré-Vestibular afirma que a professora foi demitida por ter excedido o limite de faltas e por ter uma má relação com os outros docentes. Igor declarou discordar do argumento: "Ela apoiou completamente as denúncias das alunas, não teve outro motivo. Cinco professores pedimos demissão em solidariedade a ela. Como podem dizer que a ela tinha uma má relação?". 

Nota de esclarecimento

Por meio de nota, a coordenação interna do Projeto Pré Universitário Social UFF Rede Comunidade disse que o professor suspeito de assédio foi afastado preventimente após a aluna fazer uma reclamação formal contra ele, no dia 17 de abril, por comportamentos indevidos. Segundo a nota, foi aberta uma comissão interna de sindicância para apurar os fatos e a aluna e seu responsável legal foram chamados para receber a devida assistência. Ainda segundo a nota, a reportagem tem "forte caráter depreciativo e difamatório das atividades inclusivas desenvolvidas pelo projeto".


Reportagem da estagiária Nadedja Calado, com supervisão de Thiago Antunes

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