Rio - A investigação que culminou com a prisão de quatro PMs acusados de liderar grupos milicianos que atuam em Nova Iguaçu e Belford Roxo começou em novembro, pela 58ª DP (Posse), mas as milícias passaram a ter seus membros identificados a partir de abril, após a prisão de um acusado de participação em assassinato.
Ele aderiu à delação premiada e os investigadores descobriram que os paramilitares de Nova Iguaçu mantinham contato com o grupo que controla os serviços no bairro Shangri-lá. Testemunhas auxiliaram, mas deixaram suas residências e abandonaram as cidades.
Os homicídios violentos são apontados pela polícia como um dos meios que os milicianos utilizam para impor regras e amedrontar a população, que, acuada, paga taxas e sem denunciar crimes. A investigação aponta que o grupo de Belford Roxo, que tem como um de seus líderes um PM, pode ter matado pelo menos 13 pessoas.
Outro homem apontado pela polícia como chefe do grupo, mas que não teve o nome divulgado, atuaria no bairro há 10 anos. Os policiais investigam se os milicianos teriam cometido estupro de vulnerável (contra criança menores de 14 anos).
Quatro dos que tinham mandado de prisão já cumprem pena na Cadeia Pública Cotrim Neto, em Japeri, e na Cadeia Pública Juíza Patrícia Acioli, em São Gonçalo. Por celulares, se comunicavam das celas com a quadrilha que executava os crimes do lado de fora.
Segundo o inquérito, os dois grupos de milicianos, que atuavam nos bairros Miguel Couto e da Grama, em Nova Iguaçu, e Shangri-lá, em Belford Roxo, controlavam os serviços de gás, distribuição de água, TV por assinatura, mototáxi e o transporte de passageiros em carros de passeio.
'Uber pobre'
A prática clandestina, que foi batizada pelos milicianos como ‘Uber Pobre’, funciona sem fiscalização do poder público no bairro Shangri-lá. O nome dado pelos milicianos é uma alusão ao aplicativo de passageiros Uber. Os investigadores suspeitam que os milicianos estariam proibindo motoristas cadastrados no aplicativo de trabalharem na região para não atrapalhar o seu domínio.
“Como existe a exploração de um transporte clandestino de passageiros no bairro, o Uber seria um concorrente dos milicianos”, ponderou o delegado Rodrigo Coelho, que também participou da operação. Ele afirmou, ainda, que os motoristas do transporte clandestino são obrigados a pagar uma diária no valor de R$ 17 para os milicianos para obterem autorização para trabalhar no bairro.
O nome escolhido pelos agentes para a operação (Pizzo) se refere à taxa de proteção cobrada pela máfia italiana.
Taxa por rede clandestina de água
Os moradores de Shangrilá pagavam entre R$ 30 e R$ 45 aos milicianos para ter acesso à distribuição clandestina de água. Os paramilitares fizeram instalação irregular para furtar água da Cedae. Moradores são obrigados a pagar R$ 45 por botijão de gás em um dos revendedores autorizados pelo bando.
Comerciantes e mototaxistas pagam taxa semanal para terem prestar serviços. Os pontos de mototáxis pagam R$ 100. Os criminosos atuam como agiotas, cobrando juros de até 70% do valor do ‘empréstimo’.
O titular da 58ª DP (Posse), Adriano França, afirma que sem a participação dos PMs, os grupos não teriam força. Ele criticou a falta de atuação do estado nos dois municípios. “Os moradores só conseguirão viver em paz nesses lugares quando o estado ocupar os espaços e permitir que as concessionárias tenham condições de segurança para oferecer serviços”.