Rio - De imediato, o slam lembra uma batalha de MCs sem música ou ainda, um sarau literário com competidores. Para os poetas, a definição vai além: é o esporte da poesia. A competição — criada na década de 90 nos Estados Unidos — vem ganhando cada vez mais espaço no Rio, além de dar voz a artistas de comunidades e minorias com poemas que falam de sentimentos, mas também denunciam racismo, machismo e homofobia.
A batalha de poesia tem algumas regras básicas: os ‘slammers’ - como são chamados os competidores - devem ter três poesias de autoria própria para apresentá-las uma a cada etapa. Os poemas devem ser recitados em até três minutos, sem adereços ou acompanhamento musical. Os jurados são escolhidos na hora e no local.
Cada slam precisa realizar seis etapas para tirar um representante para a competição nacional, o “Slam BR”, que é realizado em dezembro. O vencedor participa da Copa do Mundo da França de Poesia Falada.
No Brasil, a competição chegou em 2008 trazida pela atriz e poetisa, Roberta Estrela D’Alva. Ela fundou em São Paulo o Zona Autônoma da Palavra, ou simplesmente ZAP! Slam. Já no Rio, a batalha chegou em 2013 pelo professor Paulo Emílio Azevedo, que fundou o Tagarela — conhecido por ser o maior slam do mundo e não se limitar aos três minutos.
No entanto, o movimento ficou mais conhecido no último ano e com o surgimento de novos slams neste ano. "Tem mais de 50 slams com certeza no Brasil, mas está difícil quantificar porque cada dia surge um novo. O Rio teve um boom de batalhas nesses últimos meses”, afirma Roberta Estrela D'Alva, também organizadora do "Slam BR".
De acordo com Jéssica Balbino, pesquisadora de literatura marginal e periférica, o crescimento dos slams têm a ver com tornar a poesia mais acessível, além do atrativo do jogo e de funcionar também um espaço de troca. “O slam tira a poesia das páginas do livro empoeirado na estante e as coloca nas ruas. A competição também é um espaço em que jovens periféricos podem falar e serem ouvidos”, conclui a pesquisadora.
Já para Roberta Estrela D'Alva, o crescimento tem a ver também com a necessidade das pessoas se organizarem coletivamente e na presença física, deixando de lado um pouco as redes sociais. "Essa reunião dos cidadãos para conversar é uma ágora política e poética. A gente faz política através da poesia, o que eu considero um avanço”.
Outro ponto que também justifica o crescimento é a divulgação dos vídeos das batalhas nas redes sociais. As competições do Slam Resistência, de São Paulo, somatizam milhões de visualizações. “A Internet facilita a disseminação de conteúdo e isso ajuda a atrair e aproximar os jovens”, comenta Jéssica.
Rafael Inácio, de 23 anos, viu nos slams a possibilidade de falar sobre as angústias, pensamentos, denúncias e críticas sociais. “O que me atraiu foi a necessidade de colocar para fora tudo que estava acumulado dentro de mim e ainda tem muita coisa. Porque quando jovens e inconscientes, nós sofremos calados todo racismo, discriminação, exclusão, invisibilidade, violência e segregação”, afirma o jovem, que participa das competições há seis meses.
“No entanto, quando tomamos consciência do nosso lugar, de onde vem cada opressão, erguemos nossa cabeça e encontramos irmãos e irmãs com as mesmas cicatrizes e curamos uns as feridas do outro”, conclui Rafael.
Já para Sabrina Martina, slammer e organizadora do Slam Laje, que acontece no Complexo do Alemão, além da competição a poesia falada também promove o conhecimento. “Não tem como sair de um slam da mesma forma que você entrou. Alguma coisa vai acontecer e alguma palavra vai tocar”.
Slam Grito Filmes
O Slam Grito Filmes surgiu em julho de 2016 e é realizado a cada edição em uma região diferente na capital fluminense. No entanto, o coletivo formado por cineastas, fotógrafos, cinegrafistas e mídia ativistas, já produzia um quadro dentro do seu canal no youtube chamado “Poesia Marginal”.
Xamã, o campeão do primeiro ano de competição do coletivo, foi para a final da disputa nacional. “Acho que isso chamou mais atenção para a gente”, afirma Ian Miranda, um dos organizadores do slam. O grupo também produz vídeos das batalhas, algumas delas somam milhares de visualizações.
“Acho que o nosso slam cresceu muito por causa do nosso canal e também pela conexão com o rap”, diz o produtor independente. O crescimento do Slam Grito Filmes motivou o nascimento de novas batalhas no Rio.
O próximo Slam do Grito Filmes acontece neste domingo, às 21h30, na Sala Municipal Baden Powell, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana 360.
Slam Laje
Sabrina Martina conheceu o slam na Festa Literária das Periferias (Flup) no ano passado, após assistir uma apresentação da poetisa Mel Duarte. “ Eu fiquei encantada, porque eu nunca tinha ouvido poesia ser recitada daquela forma”, conta. A partir daquele dia, ela decidiu que ia tirar as poesias do bolso.
A jovem pesquisou um slam no Rio e conheceu o Grito Filmes. Ela foi participar e saiu decidida a criar uma competição para que a cultura fosse cada vez mais difundida. “Acho que todo mundo saiu de lá querendo criar o seu próprio slam, porque até então só tinha aquele e a gente queria participar de mais outros”.
Sabrina, que já participava da organização de um sarau, decidiu ao lado de Marcelo Magano e Al-Neg criar o Slam Laje, primeira batalha de poesia realizada em uma favela. O evento é realizado na Casa Brota, no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio. “A gente quer furar a bolha e promover um intercâmbio com o pessoal do morro, os slammers e pessoas de outros lugares da cidade.”
A próxima edição do Slam Laje acontece no dia 12 de agosto, na Casa Brota, Rua Ari Barroso, 17, a partir das 15h.
Slam das Minas
O Slam das Minas RJ foi criado em maio deste ano pelas poetisas: Eliana Mara Chiossi, Karen Ferreira, Letícia Brito, Lian Tai, Ursula H. Lautert e Yassu Noguchi. As mulheres se reuniam em reuniões para falar sobre poesia, mas os encontros acabavam em discussões sobre o cenário político brasileiro atual. “Nós estávamos em um dilema. Como a gente faz para ser mais do que escritora? O que a poesia pode fazer dentro desse caos? Tudo nessa urgência de ser ativo e participante”, conta Eliana.
Como Letícia e Yassu já participavam do Slam BR, as poetisas tiveram a ideia de criar a versão carioca do Slam das Minas, que acontece nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Bahia. Na batalha das minas, somente mulheres competem.
“Nós fomos muito ousadas no primeiro evento. Fizemos uma reunião e tivemos cerca de 15 a 20 dias para organizar tudo”, relata. A primeira edição foi realizada no Largo do Machado e reuniu 400 pessoas, de acordo com Eliana.
“Foi uma energia incrível, uma roda em volta da resistência. A poesia denunciando a vivência sofrida das mulheres negras, as questões das comunidades, o racismo e o machismo, além da luta contra a invisibilidade. São questões muito íntimas, mas que ao mesmo tempo são de todas.”
O Slam das Minas terá a última classificatória em outubro, de onde sairá a grande vencedora para competir no campeonato nacional de poesia.
Slam Nós da Rua
O Slam Nós da Rua surgiu há quatro meses, após os poetas do coletivo se conhecerem no Grito Filmes. “A gente nunca tinha se visto, mas começamos a trocar ideia sobre criar um slam próprio e movimentar o cenário cultural aqui no Tanque”, comenta Sabrina Azevedo, uma das oito integrantes do Nós na Rua.
Eles criaram um grupo no WhatsApp e ali decidiram o nome e o local que seria o evento. “Chamamos de ‘Sarau Nós da Rua’, porque tem outras manifestações artísticas e intervenções como o grafite, além do slam”, conta a jovem, que sempre fez poesia, mas tinha vergonha de apresentá-las.
Para Sabrina, o Nós da Rua, além de slam, tem como objetivo ajudar o próximo. “Pedimos para as pessoas que vão ao nosso evento levar um quilo de alimento não perecível para a gente doar para as pessoas que precisam.”
O grupo também se apresenta em estações de trem, metrô e BRT vendendo livros a R$ 1 para investir na infraestrutura do evento. No dia 13 de agosto, a partir das 16h, o Parque Madureira recebe uma edição especial do slam.
Slam Trindade
As jovens Nathalia D'lira e Thayná Almeida já organizavam o “Festival de Rap de São Gonçalo”, mas quando conheceram a batalha de poesia através dos vídeos do Slam Resistência surgiu a ideia de incorporar a competição dentro do evento.
O primeiro slam aconteceu no dia 21 de maio este ano, após cerca de três meses de organização. “ Era um sonho, por ver tantos em SP e não ver muitos no Rio e os que tinham não eram próximos a minha cidade”, conta Thayná.
A dupla batizou a competição de Slam Trindade, nome da praça em que o evento é realizado. “Acredito que slam está reconhecendo território, colocando um pé de cada vez e ganhando força. Cada vez mais encontramos pessoas que querem participar”, afirma.
De acordo com a jovem, o slam não só atinge aqueles que estão em busca de poesia, mas também quem nunca viu ou conhece. “Seja do rap, ou do funk, ou aquele que está pela praça dando um ‘rolé’. As pessoas param para ver a batalha de poesia e mesmo sem saber direito como é, o que é, eles já gostam”.
O Slam Trindade terá sua próxima edição no dia 18 de agosto, na Praça Leonor Correia -Trindade, em São Gonçalo, a partir das 20h.
Reportagem da estagiária Luana Benedito, sob supervisão de Francisco Alves Filho e Thiago Antunes