Rio - No último mês, os casos de violência no Rio de Janeiro mexeram com a população. Até quem ainda não tinha nascido, foi atingido. No dia 30 de junho, o bebê Arthur, que ainda estava no ventre da mãe, foi ferido, na Baixada Fluminense. Outro bebê, que também se chamaria Arthur, nem pôde nascer. A mãe, gestante de 3 meses foi atropelada no dia 7 deste mês durante uma fuga de assaltantes. De repente, a cidade acordou para a crise das ações de segurança dos últimos anos, que tinham como vitrine as chamadas unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).
Nos tiros cruzados em diversos locais da cidade, policiais também fazem parte das estatísticas como o cabo Bruno dos Santos Leonardo, de 29 anos, ferido na cabeça durante um ataque à Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), na localidade do Telégrafo, no Morro da Mangueira, no dia 17. Na última terça-feira ocorreu o enterro do 91º policial morto em menos de sete meses, enquanto em todo o ano de 2016, foram 100.
Para Maria Isabel Couto, pesquisadora da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV/ DAPP), a situação da criminalidade culmina, no momento atual, com a crise financeira do estado, embora a deterioração dos indicadores seja anterior à piora das finanças fluminenses. Na visão dela, o problema é de gestão da política de segurança. Lembrou que as atuações das forças de segurança ficaram concentradas no projeto das UPPs, permitindo a atuação de criminosos em outros locais, como a Baixada Fluminense e o interior do Estado.
“Se, enquanto a gente estivesse investindo nas UPPs na capital, a gente também estivesse investindo em novas tecnologias de inteligência, de investigação e de policiamento na Baixada e no interior, provavelmente, essa migração de atividades criminosas não teria acontecido e conseguido se fixar”, afirmou.
Reorganização do crime
O que ocorreu naquele momento, de acordo com ela, foi uma espécie de “cessar fogo”, nas brigas entre as facções de tráfico de drogas por territórios na cidade do Rio de Janeiro. O quadro mudou, segundo Maria Isabel, com os sinais de fragilidade das unidades e do órgão. “Eles [os criminosos das facções] estão passando, claramente, por um momento o de reorganização, de redivisão de territórios da cidade. Estão disputando e brigando para ver quem vai sair mais fortalecido. Estão aproveitando um momento de fragilidade governamental para fazer isso. É um xadrez de território”, contou.
De acordo com Maria Isabel, quando o projeto das UPPs foi lançado, havia a promessa de mudança na cultura do policiamento, que passaria ser focado na proximidade com a população, e deixaria de ser pautado por uma política de guerra às drogas. “As UPPs acenavam para uma mudança nesse padrão. Numa incorporação do Rio de Janeiro de um padrão de policiamento comunitário e não foi isso que a gente viu”, contou. Além disso, de acordo com ela, as contrapartidas em políticas públicas não vieram.
“O que a gente viu é que as contrapartidas, que não são a polícia, foram muito tímidas, e os policiais ficaram quase abandonados nessas UPPs pelo poder público. Se no início a gente conseguiu ver a redução dos tiroteios e dos conflitos, com o tempo, se a única presença que a gente vê é a militarização da vida cotidiana nas favelas, isso tende a esgarçar as relações e tende a recrudescer. Então, a gente viu o retorno às velhas práticas”, observou.
Para o especialista em Segurança Pública, mestre em antropologia e ex-integrante do Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro (Bope), Paulo Storani, nunca ficou muito claro quais seriam os passos das UPPs após a ocupação policial dos territórios. “O primeiro passo foi dado com sucesso, mas não tendo ocorrido o segundo, não tem como dar o terceiro, que é a saída do policial. Na verdade, foi dado um único passo”, disse o pesquisador, ponderando que também não houve uma cobrança da sociedade para a continuidade do projeto.
Crise econômica
Na visão da cientista social e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, Sílvia Ramos, a crise econômica do estado agravou a situação de violência que, desde 2015, estudos e pesquisas já mostravam sinais de que o cenário atual ocorreria se nada fosse feito. A pesquisadora alertou, que embora tenha componentes da crise de falta de recursos, a segurança pública tem ainda uma crise estrutural.
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“Se tem, no caso da segurança, uma combinação extremamente complicada e explosiva de crise conjuntural do estado que é igual nas áreas de saúde, de educação e de assistência social, combinado, com uma crise muito grande, estrutural, na área de segurança, de projeto, de modelo e de perspectiva”, apontou.
Para a Secretaria de Estado de Segurança (Seseg) do Rio de Janeiro, a crise financeira do estado tem provocado impacto significativo nos agentes e em materiais à disposição das forças policiais fluminenses. Segundo o órgão, isso demanda “um esforço enorme de gestão para fazer face a este cenário antagônico”.
A professora acrescentou que, com a reocupação pelos grupos armados de áreas onde foram instaladas as UPPs, os policiais ficaram isolados e, mesmo assim, não há perspectivas de tirá-los desses locais. Sílvia Ramos classificou de “mais do mesmo”, a previsão do Plano Nacional de Segurança, na fase Rio de Janeiro, com o emprego maior de agentes da Força Nacional, porque medidas semelhantes foram tomadas em outras épocas e, passado um tempo, os criminosos voltavam a atuar, porque sabiam onde estavam as tropas.
Secretaria de Segurança
De acordo com informações da Seseg à Agência Brasil, para tentar ultrapassar a barreira econômica, sem custos aos cofres públicos, foram definidas medidas estruturantes como o Grupo Integrado de Operações de Segurança Pública (Giosp), instalado no Centro Integrado de Segurança Pública (CICC), na Cidade Nova, região central do Rio, para fazer o monitoramento qualificado da criminalidade violenta. Além disso, passou a contar com a delegacia especializada para o combate ao tráfico de armas, a Desarme.
Conforme a Seseg, as suas principais diretrizes são “a preservação da vida e dignidade humana, o controle dos índices de criminalidade e a atuação qualificada e integrada das polícias”. Para isso, o secretário Roberto Sá “mantém interlocução permanente com os comandos das polícias Militar e Civil orientando-os na busca incessante de medidas que impactem na redução dos indicadores de violência, principalmente o de letalidade violenta