Rio - Entre os sombrios dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) que retratam o cotidiano da violência fluminense, um fenômeno criminal é preocupante e assustador. Os casos de roubo, com emprego de violência ou grave ameaça, superaram as ocorrências de furtos, praticados sem agressão ou intimidação da vítima.
Na série histórica do banco de dados do ISP, que começou em 2003, os furtos sempre foram maiores do que os roubos, mas esse padrão começou a ser quebrado em 2016, quando o estado fechou o ano com 208.781 roubos contra 169.238 furtos. E se consolidou. Entre janeiro e junho deste ano foram 110.776 roubos e 68.866 furtos. Ou seja, a cada hora 25 pessoas ficaram sob a mira da arma (de fogo ou não) de um ladrão. Os números legitimam a sensação do morador do Rio de que os bandidos estão cada vez mais selvagens.
“É um fenômeno diferente. Tudo é crime, mas para ir para o roubo, o indivíduo tem que ter a certeza que vai ficar impune. Sente-se mais livre para agir de maneira mais violenta”, analisou o psicólogo Roberto Debski, apontando a descrença nas instituições como uma das principais causas do crescimento de roubos.
Para o psiquiatra Higor Caldato, quem comete crime violento apresenta deficiência cerebral na válvula de segurança que temos contra a maldade, que é a empatia, uma qualidade natural de nos colocar no lugar do outro. Esse sentimento faz com que a gente sofra pelo outro. “As anormalidades são ocasionadas por fatores genéticos, pelo concurso familiar (histórias de maus tratos e rejeição na infância) e pela questão ambiental. O psicopata, por exemplo, tem empatia zero. Não sente remorso e nem se emociona com o sofrimento alheio”.
Para o diretor da Associação de Profissionais de Segurança, Vinicius Cavalcante, o fenômeno talvez se explique pelo fato de os bandidos estarem mais bem armados e descrentes da perspectiva de reação, tanto das eventuais vítimas, quanto das forças de segurança. “Os bandidos não temem nada e sequer aventam a possibilidade de refinar as táticas ou de buscar pretextos que lhes salvaguardem. É tudo na mão grande, na marra, sem sutileza”.
Para delegado, bandidos perderam medo da polícia
Para o delegado federal aposentado, Antônio Rayol, o aumento de roubos, assim como a execução de policiais, acontecem porque os bandidos perderam o medo da polícia. “Quando morria um policial, todas as polícias se movimentavam. Era uma disputa para ver quem pegava o bandido primeiro e a perseguição normalmente acabava com a morte do criminoso”, lembrou o delegado , que classifica como ‘patéticas’ as declarações das autoridades da segurança reclamando da falta de apoio e recursos. “O papel da polícia não é ficar choramingando, se passando por vítima! Eles são vítimas deles mesmos, pois estão há dez anos na Secretaria de Segurança e nos arrastaram para essa situação”, afirmou Rayol.
Para o criminalista José Guilherme Costa de Almeida, o incremento nos roubos é também provocado pelos traficantes, que não se contentam mais com o lucro na venda de drogas e expandiram suas atividades. “O pessoal que rouba é ligado ao tráfico. Tanto que usam fuzis até para roubar padaria”. Almeida considera o roubo o pior dos crimes. “A violência pode gerar reação da vítima, e resultar em latrocínio, ou a ação de um agente de segurança, ocasionando tiroteios e balas perdidas”.
O advogado destacou que, muitas vezes, o furto não é registrado porque nem é percebido. “A pessoa fica em dúvida se perdeu o bem. Existe o furto de ocasião, mas normalmente quem comete o furto estuda a vítima antes de atacar”, contou Almeida, lembrando que o governador Pezão foi vítima de furto, quando surrupiaram objetos no seu apartamento no Leblon.
“O caso das vigas da Perimetral também foi furto”, referindo-se ao incrível desaparecimento de seis vigas de aço, com 40 metros de comprimento e cerca de 20 toneladas, cada, ocorrido em 2013. “No roubo, não! O bandido quer levar, na mão grande, qualquer coisa, de qualquer um”, sustentou José, citando o assalto a doentes na fila de um hospital, no Centro do Rio, quando os bandidos armados levaram até a mochila de uma menina de 12 anos. Procurada, a Secretaria de Segurança não comentou o assunto.