Rio - Os atentados às casas de religiões de matriz afro-brasileiras, revelados na edição de ontem do DIA, vêm crescendo também fora da Baixada Fluminense. O Babalorixá Márcio de Barú, do centro Ilé Axé Obá Inã, na Penha, conta que seu terreiro tem sido alvo de ataques frequentemente.
De acordo com o religioso, todas as segundas-feiras, quando inicia a cerimônia chamada gira, grupos de pessoas começam com as agressões. "Jogam pedras portuguesas, ovos e legumes no telhado do barração. Tive de colocar até uma lona na parte que é aberta para proteger os frequentadores", lamentou. Ele conta que, em abril, registrou queixa na 22ª Delegacia de Polícia, no bairro.
É justamente o registro em delegacias que as autoridades estão pedindo que as vítimas dessas agressões façam. Na Baixada, pelo menos sete casas de religiões afro-brasileiras foram depredadas nos últimos dois meses, conforme levantamento líderes religiosos locais, mas nem todas as vítimas registraram ocorrências, por medo de represálias.
O Diretor Geral da Polícia da Baixada, Sérgio Caldas, disse que isso é necessário para início das investigações. "É fundamental que essas pessoas se dirijam à delegacia. Podemos colocar toda a investigação sob sigilo, ou seja, somente o delegado terá acesso aos depoimentos e dados das pessoas", contou Caldas.
E não são só depredações de terreiros que vêm ocorrendo. Pessoas relatam perseguições. A dona de casa Lilian Souza, 43, que tem uma tatuagem em referência a uma entidade da umbanda, disse que teve de retirar seus filhos da escola no meio do ano passado, em Senador Camará, porque sofriam com xingamentos preconceituosos. "Agora na nova escola ele já voltou a sofrer perseguição. Não sei o que fazer."
O secretário de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos, Átila Alexandre Nunes, acredita que esses ataques são orquestrados e pede que sejam investigados mais profundamente. Como O DIA mostrou ontem, traficantes estariam por trás dos atentados. Segundo Nunes, há denúncias também de que o tráfico estaria se associando a falsas igrejas para lavar dinheiro e, por isso, não querem a presença de outras religiões nas áreas em que atuam.
Para protestar contra as agressões, no próximo dia 17, líderes de diversas religiões irão se reunir para a 10º Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, na orla de Copacabana.
Intolerância religiosa em ataques a terreiros é registrada como injúria
O código penal não tipifica o crime de intolerância religiosa. Em casos de danos a templos religiosos, a polícia registra como injúria, cuja pena é de um a três anos de multa. "Para termos dados específicos de quantos crimes do tipo há no Rio, deveria ser criado, pela Secretaria de Segurança, uma subclassificação como injúria mediante elemento religioso. No entanto, isso não alteraria a lei", afirmou Sergio Caldas.
Também não há pena específica para os casos de intolerância. "Os comportamentos reprováveis só podem ser objeto de repressão penal se estiver escrito na lei. O Direito Penal não cabe interpretações com o objetivo de acusar alguém. A intolerância sozinha é sentimento pessoal", analisou o advogado criminalista Antonio Pedro Melchior.
Já o secretário de Direitos Humanos Átila Nunes,considera que existe dois agravantes quando o assunto é crime de preconceito."O primeiro, é que muitas vezes o crime é descrito como mera briga de vizinhos. O segundo, é que, quando tipificado, não é descrito se o preconceito é racial ou de gênero, o que acaba dificultando a criação de políticas".
Reportagem do estagiário Matheus Ambrósio, sob supervisão de Cláudio de Souza