Por gabriela.mattos

Rio - O personagem Ivan, interpretado por Carol Duarte na novela 'A Força do Querer', foi, para milhares de brasileiros, o primeiro contato com a figura dos homens transexuais. As personagens de mulheres transexuais são vistas há mais tempo na TV aberta. Os autores enfrentam o desafio de evitar estereótipos ofensivos na hora de representá-las. Em comum, homens e mulheres trans carregam o desejo de adequar seus nomes e corpos ao gênero com o qual se identificam, vontade que não pode ser contida nem mesmo pelo preconceito que enfrentam e que parte, muitas vezes, de suas próprias famílias.

Bárbara e Thiago Aires - Irmãos TransÁlbum de família

É o caso dos irmãos Barbara e Thiago Aires, ambos transexuais. Quando acreditava ser um menino homossexual, Barbara sofreu preconceito da família e morou nas ruas de São Paulo dos 5 aos 12 anos de idade, quando foi para um abrigo, onde ficou até os 15 anos. Ela então assumiu sua transexualidade e, aos 18, começou a tomar hormônios e adequar seu corpo ao gênero feminino. "Sou filha de um policial militar, hoje idoso, conservador, que nunca aceitou isso. Sou uma mulher trans. A prova viva de que identidade de gênero e sexualidade não são influenciáveis, são inerentes ao ser humano".

Poucos anos depois, Thiago se assumiu transexual. "Aos 13 anos apareceu usando boné, roupas largas, cabelo cortado, e disse que era Thiago. Como ele era menor de idade, tive o cuidado de não conversar com ele sobre isso, para o meu pai não achar que eu estava influenciando", disse Barbara.

'Já uso nome social. Estou prestes a pegar meu laudo psiquiátrico%2C que vou usar paracomeçar a mudar meus documentos'%2C diz Thiago AiresÁlbum de família

Quando Thiago completou 18 anos, pôde procurar ajuda médica especializada e iniciar sua transição. "Já uso meu nome social na carteirinha de estudante e também sou tratado no masculino no trabalho. Estou prestes a pegar meu laudo psiquiátrico, que vou usar para começar a mudar meus documentos", contou ele, que está prestes a completar 22 anos, cursa o 3º ano do Ensino Médio e acaba de ser contratado em seu primeiro emprego formal, como auxiliar de vendas.

Barbara hoje mora no Rio de Janeiro, e namora um homem transexual, que já passou pela mastectomia e pela histerectomia (retirada dos seios e do útero): "O Thiago se espelha muito nele".

Ela é militante LGBT há cerca de dez anos e trabalha como assessora parlamentar do vereador David Miranda (PSOL), também ativista da causa. "Abracei porque a luta me diz respeito. Almejo o dia em que a sociedade pare de genitalizar as pessoas. Consideram que a mulher é uma vagina, e o homem, pênis. Quando isso mudar, vamos poder seres humanos", enfatizou.

O casal de irmãos diz que espera a evolução de políticas públicas que atendam à população trans. "Infelizmente ainda erram muito. Desconsideram o nome social, ou me tratam no feminino", lamentou Thiago. Para Barbara, a solução do problema passa pela educação: "A luta LGBT é apagada do ensino de história, por exemplo. E os alunos crescem achando que essas pessoas são anormalidades. Quando houver esse conhecimento, virá um efeito dominó. Teremos mais pessoas trans confortáveis para estar nas escolas, no mercado formal de trabalho e outros espaços".

Gabriel Reibolt (ao centro)%2C tem apoio da família para a sua transição%2C que iniciou há cerca de dois anosÁlbum de família

'Acostumaram a me chamar no masculino'

Ao contrário do personagem Ivan, que na trama tem sua identidade de gênero desrespeitada por seus familiares, o também homem transexual Gabriel Reibolt, 23, conquistou o apoio da família para a sua transição, que iniciou há aproximadamente
de dois anos. “Eles demoraram a se adaptar. Mas há seis meses conseguiram se acostumar a me chamar no masculino. Hoje todos lidam bem, pais, avós”, afirma.

“Nunca passei por situações que me deixassem para baixo, nunca bati boca, nunca me apontaram na rua. Certamente algumas pessoas falam por trás, mas nunca me desrespeitaram”, completa. Para a psicóloga Melcina Moreno, que já atendeu mais
de 50 pacientes transexuais, é importante que os amigos e familiares da pessoa transexual procurem se informar sobre o assunto: “É bom buscar conhecimento, e com ele, ter empatia pela dor que essa pessoa sente. Esse respeito consigo mesmo e com o familiar trans é amor genuíno”, afirma ela, ressaltando que é fundamental que cada pessoa respeite seu próprio tempo para assimilar a questão.

“Quanto a aceitar, não existe aceitar ou não. É reconhecer o fato, viver com ele e ver a pessoa trans ficar mais feliz a cada passo em direção à harmonização entre o seu mental e emocional com o seu corpo físico”, completa.

Personagem que divide opiniões

A representação dos personagens trans nas novelas divide opiniões. Barbara Aires
elogiou as cenas de Ivan, mas ressalvou: “A personagem Elis (Silvero Pereira), na mesma novela, tem sido criticada pelo movimento. Tem havido confusões dos termos trans, travesti, gay”. 

Já Thiago achou alguns momentos de Ivan muito agressivos: “É ruim mas por outro lado chocar as pessoas pode sensibilizá-las. Fora isso acho muito bom, mostra o que a pessoa trans passa com a família e a sociedade”. A médica Melcina Moreno também elogiou: “A abordagem da Gloria Perez é cautelosa e didática”.

Reportagem da estagiária Nadedja Calado, sob supervisão de Angélica Fernandes

Você pode gostar