Por gabriela.mattos

Rio - Eles transcendem o tempo e ajudam a contar visualmente boa parte da história do Rio de Janeiro. Os letreiros antigos, pendurados sobre as portas de muitos estabelecimentos comerciais, viraram um museu a céu aberto. São admirados, fotografados e funcionam como uma máquina do tempo, remetendo cariocas e turistas ao passado. Além de ajudar a chamar a atenção de fregueses em bares, restaurantes e lojas, os letreiros também são inspirações para livros, teses de dissertação e já conquistaram até colecionadores.

Há 123 anos%2C a Confeitaria Colombo ostenta o letreiro que virou referência nacional einternacionalMárcio Mercante / Agência O Dia

"Estou fazendo doutorado justamente sobre letreiros antigos. São fascinantes e, como cofres, guardam histórias que são verdadeiros tesouros", justificou o professor Vinícius Guimarães, de 36 anos, com mestrado em tipografia vernacular (característica de uma região) urbana pela Uerj. Vinícius lembra que os letreiramentos urbanos, com seus designs e tipografias informais, são marcas importantes da produção e expressão da cultura local de antigamente. "A era que antecedeu a internet, sem a tecnologia digital, obrigava as pessoas a buscarem soluções próprias para divulgação de seus comércios. Cada letreiro pintado, talhado e confeccionado à mão expressava uma espécie de identidade única dos donos".

Clarisse Almeida só tem orgulho de sua floricultura na Rua Santa Clara%2C em Copacabana. “Marcam encontros aqui pelo letreiro”Márcio Mercante / Agência O Dia

No Centro, a histórica Confeitaria Colombo ostenta o mesmo letreiro, com brasão próprio, desde a sua fundação, em 1894. "Vim ao Rio a trabalho e para tirar uma selfie com esse letreiro lindo", contou a paulista Cláudia Nucci, 42. "Nossa marca é um charme", declarou, orgulhoso, Orlando Duque, 80, ao lado do gerente da Colombo, Delfim Magalhães, 54. "Testemunho essa euforia há seis décadas e meia", completou Orlando, mostrando a carteira de trabalho na vitrine, que o consagra como garçom mais antigo do Rio. Entre os clientes atendidos por ele, estão o presidente Getúlio Vargas e a Rainha Elizabeth.

Em Copacabana, Tchutcho Villar, 75, um dos donos do tradicional restaurante Cervantes, revela como nasceu o letreiro mais badalado do bairro, em homenagem ao escritor espanhol Miguel de Cervantes, autor de Dom Quixote. "Surgiu de um rascunho no guardanapo, feito pelo meu pai, Cândido Villar, já falecido. Ele acertou em cheio na marca, sem querer".

Um dos donos do tradicional restaurante Cervantes%2C Tchutcho Villar%2C revela ahomenagem ao escritor Miguel de CervantesMárcio Mercante / Agência O Dia

O aposentado Joseph Simões, 76, colecionador de letreiros na Tijuca, guarda a sete chaves suas relíquias, embora pense em fazer um museu no futuro. "Devo ter uns 30. É um saudosismo gostoso de se reviver", apontou Simões. A Tijuca, aliás, é um dos bairros que mais detêm letreiros antigos, como o da loja de materiais elétricos Ao Transistor da Tijuca, a Gurilandia Lanches e a Eletrônica Hobrum, com lâmpadas coloridas à sua volta.

?As placas que tornaram símbolo de tradição

A Imperatriz, uma loja de armarinhos, em Ipanema, ostenta há 71 anos o letreiro como se fosse uma assinatura. "Meu pai (Alberto Saad, já falecido) é que idealizou. Reformei tudo, mas o letreiro está lá desde que nasci", detalhou Marlene Saad. "É um guia natural", atestou o funcionário Marcelo Marzano, 43 anos.

Marcelo Marzano%2C funcionário do armarinho A Imperatriz%2C conta que o letreiro virou uma espécie de guia natural em IpanemaMárcio Mercante / Agência O Dia

Já o da Flora Santa Clara, em Copacabana, é referência desde 1942. "Marcam encontros na floricultura de letreiro simples, mas singelo", lembrou Clarice de Almeida, 57. Foi seu pai, Afonso, 90, que projetou. No ano passado, a diretora de artes Mari Stockler e o ilustrador Marcus Wagner, lançaram o livro 'Letreiros Memória Afetiva', com 162 letreiros clássicos cariocas, entre eles, o da Boate Help e Perucas Lady.

Você pode gostar